Em 30 anos, região aqueceu três vezes mais rápido que a média global, segundo Grupo Consultivo para a Crise Climática; alterações podem estar contribuindo para calor e inundações no hemisfério Norte e secas na Amazônia.
Os efeitos do aquecimento global causado pelo homem são especialmente pronunciados no Ártico — e as consequências podem ir muito além da região polar. Segundo novo relatório do Grupo Consultivo para a Crise Climática (CCAG), publicado nesta quinta-feira, o rápido aquecimento e derretimento do gelo no Ártico é provavelmente o principal gatilho para eventos climáticos em cascata que resultam em mudanças nos sistemas meteorológicos e incidentes extremos, como as ondas de calor e inundações recentes nos Estados Unidos, Canadá, Alemanha e China. Também pode estar contribuindo para a maior frequência de secas na Floresta Amazônica.
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Segundo o relatório, nos últimos 30 anos, o Ártico aqueceu a uma taxa de 0,81°C por década, mais de três vezes mais rápido do que a média do planeta, de 0,23°C por década. O CCAG é formado por pesquisadores de diferentes países e liderado por David King, ex-conselheiro científico do governo britânico.
“É difícil explicar a gravidade das recentes inundações extremas na Europa e das ondas de calor na América do Norte apenas com o calor e a umidade adicionais no sistema climático causados por 1,2°C de aquecimento global. Não se pode excluir o fato de que o rápido aquecimento e degelo no Ártico desencadeou mudanças adicionais em como nosso clima funciona, explicando a extremidade desses eventos extremos”, informa o documento.
— O que acontece no Ártico não fica no Ártico. Precisamos pensar na mudança climática como comunidade global, da mesma forma que as alterações dos nossos biomas não são uma preocupação só do Brasil. Muitos desses eventos que estão ocorrendo são muito mais intensos do que inicialmente se projetava. A ciência está buscando entender quais fatores podem causar essas alterações e quais são as conexões — afirma Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB) e membro do grupo.
Ela explica que a enorme massa de gelo no Ártico tem papel importante no sistema climático global:
— A superfície (de gelo) funciona como um espelho, a radiação bate e não é absorvida, então não gera calor. Mas à medida que o gelo vai se transformando em água, vai expondo a superfície, absorvendo mais o calor e aquecendo mais, o que é chamado de amplificação ártica. Esses mecanismos se retroalimentam.
A pesquisadora afirma que o derretimento também impacta as correntes atmosféricas, importantes para o clima no hemisfério Norte, e as correntes oceânicas, que ocorrem por diferenças de temperatura e salinidade. Estudos indicam que isso pode estar afetando, por exemplo, as secas na Floresta Amazônica, em convergência com alterações locais, diz Bustamante.
— A grande quantidade de água doce saindo do derretimento das massas de gelo do Ártico modifica a salinidade dos oceanos. Um impacto que pode afetar o Hemisfério Sul é a alteração na chamada Corrente do Golfo. Se o processo de circulação nessa parte do Atlântico é alterado, pode gerar mais retenção de umidade ali, com o oceano mais quente, e menos umidade vai ser transportada para o continente, no caso da Amazônia — explica Bustamante, acrescentando que mais estudos são necessários para entender essas interações.
Gases de efeito estufa
Outra preocupação, afirma a pesquisadora, é a presença no Ártico de uma camada de solo congelada chamada permafrost, que armazena grande quantidade de carbono. Quando ele descongela, libera CO2 e metano, dois gases de efeito estufa.
— O derretimento dessas regiões pode resultar em mais gases de efeito estufa, novamente acentuando o processo das mudanças no clima — acrescenta Bustamante.
Segundo o documento, no ritmo atual, as condições de clima quente que levam ao degelo do permafrost já estão ocorrendo cerca de 70 anos antes das previsões.
“É mais um lembrete de que não há margem remanescente para mais de gases de efeito estufa em nossa atmosfera. Não apenas devemos reduzir imediatamente as emissões, particularmente de combustíveis fósseis, devemos também procurar maneiras de remover gases de efeito estufa da atmosfera em escala”, afirma, em nota divulgada pela Agência Bori, o presidente do CCAG, David King.
Bustamante destaca que o Brasil poderia ter um papel importante a desempenhar nessas medidas, tanto na redução de emissões oriundas do desmatamento, quanto por meio da restauração dos ecossistemas, o que aumentaria o sequestro de carbono.
Com informações de O Globo