Os mistérios dos buracos negros, tal como o Sagitário A*, fascinam e intrigam de curiosos a cientistas. Mas dá para entrar em um? E viajar no tempo, como mostram os filmes de Hollywood? Veja o que diz quem estudo o assunto.
Uma foto revelou como é o Sagitário A*, o “buraco negro” no centro da Via Láctea. Mas o que a ciência sabe sobre os buracos negros? É possível viajar no tempo ao entrar em um, como mostrado em filmes como Interestelar (2014) e Planeta dos Macacos (2001)?
Quem responde algumas dessas dúvidas em entrevista ao g1 é Daniel Vanzella, professor do Instituto de Física de São Carlos (USP) e autor do livro “Buracos negros: Rompendo os limites da ficção” (Editora Unesp). Veja abaixo:

O que é um buraco negro? Como ele surge?
Buraco negro é o nome dado para uma região do espaço que possui uma atração gravitacional tão intensa que nada, nem mesmo a luz — que é a coisa mais rápida no universo –, consegue escapar dela.
Um buraco negro se forma quando massa/energia (que, de acordo com a teoria da relatividade, são a mesma coisa, apenas medidas em unidades diferentes) é concentrada numa região suficientemente pequena — o quão pequena depende da quantidade de massa/energia. Por exemplo, se pegarmos a massa de todo o planeta Terra, teríamos que concentrá-la no tamanho de uma bolinha de gude para gerar um buraco negro.
Já a massa do nosso Sol teria que ser concentrada num raio de 3 km para dar origem a um buraco negro.
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Mas como uma compactação de massa nesses níveis poderia ocorrer? Embora qualquer quantidade de massa poderia, em teoria, dar origem a um buraco negro — se compactada numa região suficientemente pequena –, apenas estrelas com massas várias vezes maiores que a do nosso Sol passam, no fim de seus ciclos de vida, por mecanismos naturais em que seus núcleos são violentamente compactados a ponto de dar origem a buracos negros.
Assim, não se espera que existam na Natureza buracos negros com massas menores que algumas massas solares — mas não há limite para o quão grande pode ser a massa que um buraco negro, pois uma vez formados nesse contexto astrofísico, eles só aumentam sua massa à medida que “canibalizam” matéria de estrelas vizinhas e gases.
O que há dentro do buraco negro?
Devemos lembrar que buraco negro é o nome dado para a região de onde nada consegue escapar; a maior parte dessa região é, na verdade, vazia, puro vácuo.
A matéria que formou o buraco negro, quando compactada naquele tamanho necessário para formar o buraco, acaba colapsando indefinidamente até ocupar um volume teoricamente nulo, dando origem às chamadas singularidades.
Mas vale mencionar que o comportamento da região interna aos buracos negros ainda é tema de pesquisa científica. Embora tenhamos uma teoria que forneça uma descrição dessa região interna — com exceção das singularidades — (a mesma que prevê a existência dos buracos negros: a Relatividade Geral), as condições previstas por essa teoria são tão extremas que não podemos ter certeza que a própria teoria não sofra alterações sob algumas dessas condições (como é esperado que não valha nas singularidades).
E como é impossível se obter informação de dentro dos buracos negros — a não ser que mergulhemos num deles, mas não teríamos como comunicar nossos achados para quem ficou fora –, parece que teremos que continuar a analisar essa questão sob a ótica das nossas teorias conhecidas.
É possível entrar em um buraco negro?
Sim, entrar em um buraco negro é fácil: basta ir em direção a ele ou chegar perto o suficiente para que a gravidade dele o atraia.
Lembre que o buraco negro é uma região, não um corpo material, de modo que ele é delimitado por uma fronteira meramente teórica, imaterial — o “horizonte de eventos” — que pode ser cruzada sem nem mesmo se perceber. Mas dependendo da massa (ou tamanho) do buraco negro, um objeto macroscópico pode ser destroçado mesmo antes de atingir o horizonte de eventos, caso em que serão seus constituintes que entrarão no buraco.
Dá para “viajar no tempo” dentro de um buraco negro? O que é a singularidade?
De acordo com nosso melhor entendimento desses objetos (provido pela Relatividade Geral), nada sugere que eles possam ser usados para se fazer viagens no tempo. O cenário mais provável de algo caindo num buraco negro é que acabe sendo destruído e incorporado à singularidade ou, num cenário otimista meramente especulativo, que seus constituintes acabem indo parar num “outro universo” — ou, mais apropriadamente posto, numa região do nosso universo que talvez não seja possível ser alcançada a não ser pelo interior do buraco negro. (Mas deve-se ressaltar que esta última possibilidade é altamente especulativa e que há fortes razões teóricas para desacreditá-la.)
Quanto às singularidades, como dito mais acima, são “regiões” dentro dos buracos negros onde se concentraria toda (ou quase toda) a matéria que formou o (ou caiu no) buraco negro. De acordo com a Relatividade Geral, seriam como se fosse a “borda” do espaço-tempo, o “fim da linha” da existência de qualquer coisa que se dirija a elas.
No entanto, existe uma crença compartilhada pela maior parte da comunidade científica de que essas singularidades conseguirão ser melhor descritas/explicadas por uma teoria que mescle os princípios da Relatividade com os da teoria quântica; talvez deixem de ser singularidades verdadeiras e passem a ser compreendidas como estruturas com suas próprias leis e propriedades. Mas a busca por uma teoria que faça isso já dura por quase um século, sem nenhum resultado concreto até o momento.
O que falta sabermos: quais são os mistérios que ainda precisamos desvendar, como o que acontece no horizonte de eventos, por exemplo?
O maior mistério no que diz respeito aos buracos negros é a singularidade em seu interior — como explicado mais acima. Compreendemos bem o que acontece na sua fronteira (o horizonte de eventos), no sentido que a teoria da Relatividade Geral não tem nenhum problema em descrever essas regiões. Infelizmente, o mistério das singularidades está muito bem protegido pelo mais perfeito “guardião”, pois não há como, estando fora do buraco negro, termos o menor vislumbre do que acontece no seu interior.
E, curiosamente, o mistério das singularidades se confunde também com o mistério da origem do nosso universo, que também teria se originado, de acordo com a mesma Relatividade Geral, numa singularidade inicial.
Por Roberto Peixoto, g1