O benefício foi lançado por Jair Bolsonaro (PL), em novembro de 2021, para substituir o Bolsa Família.
O Brasil que vai às urnas neste domingo (2) não é o mesmo de quatro anos atrás. Temas como pandemia, criação do Auxílio Brasil, expansão do armamentismo, crise econômica e orçamento secreto produziram transformações no país. Em cada região, o impacto das mudanças foi diferente. O UOL elaborou 7 mapas que ajudam a entender o Brasil de hoje e possíveis repercussões nas eleições presidenciais de 2022, a partir de bases de dados públicas e resultados das últimas pesquisas de intenção de voto.
O valor do benefício foi ampliado temporariamente, às vésperas da eleição, e o número de famílias atendidas bateu recorde: 20,2 milhões. É o maior programa de transferência de renda da história do país. Metade dos benefícios (47%) está no Nordeste — que já era o principal destino do Bolsa Família e onde Bolsonaro perdeu para o PT em 2018.
Mas pesquisas de intenção de voto indicam que Bolsonaro não conseguiu converter o Auxílio Brasil em apoio eleitoral: entre os beneficiários, o presidente tem menos da metade (26%) do percentual de Lula (58%), segundo o Datafolha de 29 de setembro. Já o Bolsa Família sempre trouxe votos para candidatos a presidente do PT — fato comprovado por estudos acadêmicos.
O legado do Bolsa Família ajuda a explicar os desafios de Bolsonaro com o Auxílio Brasil. A troca de nome e o aumento no valor não apagaram a memória do programa criado por Lula. Muitas pessoas ainda recebem o benefício com o cartão do Bolsa. Na tentativa de criar uma marca própria, Bolsonaro distribuiu este ano um número recorde de novos cartões. O layout foi definido pela própria Presidência: a bandeira do Brasil, símbolo bolsonarista.
RJ, reduto eleitoral dos Bolsonaro, é onde o Auxílio Brasil mais cresceu
No país, o Auxílio Brasil passou de 14,5 milhões de famílias, no mês em que foi lançado, para 20,2 milhões em agosto deste ano. É uma alta de 39% em nove meses. Mas o crescimento não ocorreu de forma homogênea no Brasil. No Rio de Janeiro, estado por onde Bolsonaro se elegeu deputado, a alta foi de 72%, a maior do país. No Nordeste, o aumento ficou abaixo da média nacional — 32%.
A alta fez o Rio saltar do sexto para o terceiro lugar com mais beneficiários do Auxílio no país (1,7 milhão de famílias). No estado, Bolsonaro tem desempenho acima da média nacional. Está 6 pontos atrás de Lula, segundo o Ipec de 27 de setembro. Em São Paulo, por exemplo, onde o percentual de votos em Bolsonaro no segundo turno de 2018 foi idêntico ao do Rio, a distância é de 11 pontos. No país, 17 pontos.
Além do Rio, os estados onde o número de famílias atendidas pelo Auxílio Brasil mais cresceu são: Amapá (53%), Goiás (51%), Mato Grosso do Sul (51%) e Santa Catarina (50%). Em todos eles, à exceção do Amapá, Bolsonaro é favorito, ainda de acordo com pesquisas Ipec do final de setembro.
Orçamento secreto beneficiou redutos de Lira e Ciro Nogueira, mas não alavancou Bolsonaro
O orçamento secreto pagou R$ 19 bilhões para órgãos municipais e estaduais, desde sua criação, em 2020. Alagoas, base eleitoral do presidente da Câmara, Arthur Lira, e Piauí, estado do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, ambos do Progressistas, são campeões de recursos. Receberam R$ 245 e R$ 240 per capita, respectivamente. A média nacional é de R$ 89 por pessoa.
O despejo de dinheiro não alavancou a candidatura de Bolsonaro na região. Em Alagoas, o presidente tem 30% de intenção de votos, de acordo com Ipec de setembro no estado. É menos do que obteve no primeiro turno de 2018 em Alagoas. Lula tem 54%. Já no Piauí, ainda de acordo com o Ipec, o petista vence por 3 a 1 (61% a 20%).
Roraima e Amapá também têm destaque no orçamento secreto. Com população pequena, têm proporcionalmente mais parlamentares que outros estados mais populosos — ou seja, mais políticos para barganhar no orçamento secreto. Já São Paulo e Rio Grande do Sul foram os menos beneficiados — R$ 37 e R$ 51 por pessoa, respectivamente.
A expressão “orçamento secreto” se refere a gastos do orçamento federal indicados pelo relator do orçamento no Congresso. São chamados de secretos porque não é possível saber quem foi o parlamentar que negociou o recurso com o relator. Criado no governo Bolsonaro, esse modelo de gasto ampliou muito o volume de recursos na mão do Congresso e o poder do centrão. Não há critério técnico para divisão dos recursos.
Armamentismo avançou mais em polos do agro em MT e SC, onde Bolsonaro lidera
Sinop (MT) e seu entorno têm a maior taxa de porte e posse de armas do país: 2.320 por 100 mil habitantes. É sete vezes a média nacional — 323 por 100 mil habitantes. A área é um dos principais polos do agronegócio do país e bastião do bolsonarismo. Pelas estradas, caminhões carregados de soja cruzam por outdoors de apoio ao presidente e bandeiras do Brasil. No estado, Bolsonaro lidera com 45% contra 36% de Lula, segundo pesquisa Ipec do fim de setembro.
O armamentismo é uma das principais pautas do governo Bolsonaro, que flexibilizou regras e incentivou a população a se armar. Mas os dados mostram que, no caso de posse e porte de armas, o impacto foi localizado: além de Mato Grosso, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Rondônia.
O porte (direito de andar armado) e a posse (direito de manter arma no imóvel, como residência e propriedade rural) são concedidos pela Polícia Federal para proteção pessoal. Há 689 mil armas nessas categorias no Brasil. Já os CACs são oficialmente autorizados a se armar por hobbie: caça, tiro esportivo e coleção. Nesse caso, o total de armas passa de um milhão, mas não é possível mapeá-las, porque o Exército diz não saber onde estão.
Os dados de porte e posse de arma estão agregados por Delegacia Regional da Polícia Federal. A de Sinop, que atende 30 municípios, registrou tantas novas armas nos últimos cinco anos quanto a unidade da região metropolitana de São Paulo, que compreende uma região com 30 vezes mais pessoas.
Estados com maior peso de evangélicos se dividem entre Bolsonaro e Lula
Os evangélicos correspondem a cerca de 25% da população brasileira, de acordo com pesquisas de intenção de voto do Ipec. Embora o objetivo das pesquisas seja medir o comportamento eleitoral, o questionário tem uma pergunta sobre religião. Isso acaba produzindo, por tabela, um parâmetro sobre a fé no país (a última pesquisa do IBGE sobre religião é o Censo de 2010).
Entre os evangélicos, Bolsonaro está à frente — no Ipec de 27 de setembro, marcou 50%, contra 29% de Lula.
Mas os estados com maior percentual de evangélicos se dividem entre os dois candidatos. Em primeiro lugar, estão Acre e Amazonas, onde 35% da população se declarou evangélica — no primeiro, Bolsonaro lidera; no segundo, Lula, ainda de acordo com pesquisas Ipec nos estados em setembro. Em seguida aparecem Rio de Janeiro e Amapá (33%) — no primeiro, há empate técnico; no segundo, Lula está à frente.
Bahia tem a maior taxa de desemprego do país
A taxa de desemprego na Bahia é a maior do país, de acordo com os últimos dados do IBGE (2º trimestre): 15,5%. Em seguida, está Pernambuco, com 13,6%.
Na outra ponta, os menores índices estão em Santa Catarina (3,9%) e Mato Grosso (4,4%). Nas redes sociais, apoiadores de Bolsonaro usaram os números dos dois estados para defender que regiões bolsonaristas têm uma economia melhor. Mas não há relação de causa e efeito entre a taxa de desemprego estadual e apoio a Bolsonaro.
No Brasil, a taxa de desemprego está em 9,3%. O índice representa uma melhora em relação ao período mais duro da pandemia de covid-19. No primeiro trimestre de 2021, o indicador chegou a 14,9% — o maior patamar da série histórica.
Norte e Centro-Oeste se vacinaram menos
As vacinas contra a covid-19 foram disponibilizadas para todo o Brasil. Mas o acesso aos locais de vacinação e a adesão aos imunizantes variaram nas diferentes regiões do país. Estados do Norte e Centro-Oeste, Maranhão, partes de Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro e Santa Catarina aplicaram menos doses por habitante do que o resto do país.
O presidente Bolsonaro diz, até hoje, que não se vacinou contra a pandemia mais mortal do século 21. Especialistas dizem que o comportamento do presidente pode incentivar apoiadores a rejeitarem a vacina.
SOBRE OS DADOS
Auxílio Brasil: número de famílias beneficiadas por município (Ministério da Cidadania) e estimativa da população municipal em 2021 (IBGE). O primeiro mapa mostra a taxa de benefícios a cada 1.000 pessoas na população — não existem dados atualizados do número de famílias ou domicílios por município. O segundo mapa apresenta a variação no número de famílias beneficiadas no período de novembro de 2021 (lançamento do Auxílio Brasil) a agosto de 2022.
Orçamento secreto: valor pago e restos a pagar pagos em emendas de relator — o chamado “orçamento secreto” — desde a criação dessa modalidade de despesa, em 2020, até agora (Siga Senado), e estimativa da população municipal em 2021 (IBGE). Para o mapa, foram considerados apenas os pagamentos direcionados para órgãos públicos municipais e estaduais. Dados levantados com apoio de Breno Pires.
Posse e porte de armas: número de novas armas registradas por cidadãos no Sinarm, de 2017 a 2022 (Polícia Federal), e estimativa da população municipal em 2021 (IBGE). O UOL solicitou, pela Lei de Acesso à Informação, dados por município, mas a PF alegou que a divulgação geraria prejuízo para a segurança nacional. Em vez disso, forneceu dados por Delegacias Regionais, que compreendem um grupo de municípios. O UOL fez o agrupamento de todas as cidades brasileiras segundo Delegacia Regional e calculou a taxa. A PF não enviou dados das delegacias de Oiapoque (AP) e Pacaraima (RR).
Evangélicos: dados de pesquisas do Ipec nos estados em setembro (exceto MS, cuja última pesquisa é de agosto). Colaboração de José Roberto de Toledo.
Desemprego: taxa de desocupação, na semana de referência, das pessoas de 14 anos ou mais de idade, no 2º trimestre de 2022 (PNAD Contínua trimestral — IBGE).
Vacinação: doses de vacina contra covid-19 aplicadas nos municípios (Ministério da Saúde) e estimativa da população municipal em 2021 (IBGE). Os números somam primeira dose, segunda dose, dose única e eventual reforço. Devido a discrepâncias nos dados do Ministério da Saúde, o UOL fez alguns ajustes. Em alguns estados, foram usadas informações estaduais (CE, AM, RN e MS). Também foram excluídas do mapa 18 cidades com mais do que quatro doses por pessoa, em média, o que sugere erro nos dados. A taxa de doses por 1.000 habitantes desconsidera casos em que a pessoa se vacinou em uma cidade diferente do local de moradia.
Amanda Rossi e Carol Malavolta Do UOL, em São Paulo