Dez profissionais ligados a estratégias de campanha, comunicação digital e pesquisas eleitorais ouvidos pelo GLOBO discordam sobre a eficácia da revogação da portaria da Receita Federal determinada após o vídeo do deputado federal Nikolas Ferreira
Na semana passada, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, foi a público defender em vídeo a decisão do governo de revogar a portaria da Receita Federal que aumentaria a fiscalização nas transações via Pix. O ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), e o ex-líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu, externaram o oposto: acharam errado o Planalto voltar atrás na medida após o vídeo viral de milhões de visualizações do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG).
O assunto divide não só a base aliada do presidente Lula, mas estrategistas de campanha, especialistas em comunicação digital e donos de institutos de pesquisa. O GLOBO ouviu dez profissionais relevantes dessas áreas e encontrou as mais variadas opiniões sobre os fatos da semana passada, que geraram uma das maiores crises enfrentadas pelo governo do PT até agora.
Paulo Vasconcelos e Renato Pereira, adversários no Rio em 2022 ao coordenar, respectivamente, as campanhas do governador Cláudio Castro (PL) e do ex-deputado federal Marcelo Freixo (PSB), discordam sobre a tática utilizada pelo governo, mas têm um ponto em comum: ambos consideram que o deputado Nikolas não disse mentiras no seu vídeo e que as falas do parlamentar estiveram ancoradas apenas em argumentos legítimos.
— Não houve fake news, mas sim o exagero comum às narrativas políticas. E em qual mundo isso aconteceu? No mundo do Lula. Da empregada doméstica, do lavador de carro, do encanador, ou seja, toda a turma que vive do Pix tomou um susto após o alerta do Nikolas. E aí ele ganhou em credibilidade, o que é muito ruim para a esquerda. O recuo não deveria ter acontecido do jeito que aconteceu. Lula tinha que ter mandado alguém embora, ele precisa parar de matar no peito as coisas — diz Paulo Vasconcelos.
Renato Pereira afirma que “o governo acertou em revogar a medida, mas não reverteu o desastre”:
— A revogação, na verdade, sinaliza que não era fake news. Ninguém estava dizendo que o governo ia taxar diretamente o Pix das pessoas. O governo ia usar o Pix para monitorar as movimentações financeiras dos contribuintes e, com base nisso, passaria a cobrar mais imposto. Portanto, o Pix ia ser usado para taxar os brasileiros, sim.
Mario Rosa, gestor de crise que trabalhou na campanha do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, com o marqueteiro Duda Lima, que orientou o PL na crise do Pix, também acha que o governo fez o certo.
— Em momentos como esse, não há o bom e o ruim. Há o ruim e o pior. Recuar estancou a crise.
Crença na taxação
Quem mexe com pesquisas eleitorais ficou impressionado com os dados da Quaest na última sexta-feira, que apontaram que 67% da população ainda acredita que o governo possa cobrar impostos sobre a modalidade de transferência.
— O governo acertou ao reduzir o dano. Não é que o brasileiro achou que seria criado um novo imposto. Ele achou, corretamente, que o governo estava entregando uma lupa para o Leão. E aí esses profissionais que hoje são MEI (microempreendedor individual) não gostaram da notícia de que seriam melhor fiscalizados. Eles se sentiram mais vulneráveis às investigações da Receita — afirma Antonio Lavareda, do Ipespe.
Marcia Cavallari, CEO do Ipec, complementa:
— O problema é que, independentemente da forma, a medida já está contaminada com uma imagem negativa do governo junto à população brasileira.
O CEO do AtlasIntel, Andrei Roman, e o dono do instituto Locomotiva, Renato Meirelles, vão por outro caminho: acham que o Planalto errou no recuo.
— O governo deixou na mão os defensores das medidas e ofereceu munição para que a oposição saísse como vitoriosa. Foi pouco inteligente — pontua Meirelles.
Roman entende que, da forma como o recuo foi anunciado, o governo inflamou ainda mais a situação.
— O secretário da Receita Federal (Robinson Barreirinhas) disse que uma batalha foi perdida, mas a guerra continua. Que guerra é essa? Não ficou claro. O governo quer combater golpes e fraudes fiscais em cima de um limite fiscal tão baixo de movimentações de R$ 5 mil? — questiona.
Duas das maiores empresas brasileiras de monitoramento dos fluxos de informação na internet também têm os seus diretores com opiniões divergentes.
— Entendo que a decisão de recuar entrega nas mãos da oposição uma vitória que poderia ter sido evitada. A melhor maneira de enfrentar esse movimento seria entender a nova dinâmica da opinião pública e levar a informação aonde está a audiência, independente do canal, veículo ou plataforma — defende Manoel Fernandes, da Bites.
Pedro Bruzzi, da Arquimedes, diz que “a decisão foi correta, pois a crise tomou proporções maiores e há um contexto de quebra de confiança do governo neste tema”:
— No caso da taxação de compras internacionais, Lula e (o ministro da Fazenda) Fernando Haddad falaram que não haveria, e aconteceu. No fim do ano, o governo prometeu isenção de R$ 5 mil e não passou daquilo, nada aconteceu até agora.
Nas redes sociais, quatro temas vêm afetando a popularidade do governo nas últimas semanas, três deles ligados à economia e um, surpreendentemente, à educação, afirma Marcos Carvalho, da AM4, responsável pela campanha de Jair Bolsonaro ao Planalto em 2018: Pix, inflação, gastos públicos e a proibição de celulares nas escolas.
— A medida trouxe grande desgaste em grande parte da população, sobretudo entre os mais jovens — diz Carvalho sobre um assunto até agora pouco abordado. — Embora a medida tenha tido apoio de parte da população, o desafio está na implementação.
Por Thiago Prado – O GLOBO — Rio de Janeiro