Cientistas acham ferramentas feitas por macacos há 3 mil anos no Piauí

spot_imgspot_imgspot_imgspot_img

A conclusão saiu de uma escavação arqueológica no Parque Nacional da Pedra Furada, em São Raimundo Nonato (PI), cujos resultados foram publicados na segunda-feira (24).

Uma comunidade de macacos-prego no Piauí faz uso de ferramentas para quebrar castanhas e sementes há pelo menos 3.000 anos e adaptou sua técnica a diferentes alimentos ao longo do tempo. A descoberta ajuda a entender como uma inteligência similar à de ancestrais dos humanos evoluiu de maneira independente no Brasil pré-histórico.

A conclusão saiu de uma escavação arqueológica no Parque Nacional da Pedra Furada, em São Raimundo Nonato (PI), cujos resultados foram publicados nesta segunda-feira (24) na revista científica Nature Ecology and Evolution.

Os autores, um grupo interdisciplinar que reuniu biólogos, psicólogos e arqueólogos, descrevem como os macacos vêm aprendendo uns com os outros como usar rochas para processar alimentos.

A técnica em questão requer duas pedras, uma para apoiar o alimento a ser processado–a “bigorna”–e outra para golpeá-lo –o “martelo”. Os cientistas que estudam a região há mais de duas décadas já sabiam que os macacos-prego que vivem lá usam pedras de tamanhos diferentes dependendo do alimento a ser processado.

O cardápio atual da região inclui alimentos como castanhas de caju, sementes de maniçoba, grão-de-galo e jatobá. Enquanto a castanha de caju é mais fácil de abrir com pedras pequenas, os outros alimentos costumam exigir pedras maiores.

Ao analisar o registros arqueológicos deixados pelos macacos ao longo de 450 gerações, os cientistas viram que há 3 milênios, as pedras pequenas eram as preferidas dos símios. Cerca de 2.500 anos atrás, porém, os animais começaram a usar pedras maiores e, recentemente, uns 100 anos atrás, voltaram a usar as pedras menores.

Essa variação, que sinaliza uma possível necessidade de adaptação ao ambiente e ao tipo de alimento mais abundante, é típica da arqueologia de ferramentas humanas.

“É a primeira vez que se conseguiu identificar isso num sítio arqueológico não humano” afirma Tiago Falótico, primatólogo da USP (Universidade de São Paulo) e autor principal do estudo. “Existem sítios com ferramentas de chimpanzés datadas de 4.000 anos na África, mas nesse caso são 4.000 anos fazendo a mesma coisa.”

Para garantir que as pedras encontradas na escavação na Serra da Capivara os arqueólogos se certificaram que aquela área não tinha sido habitadas por humanos antes – que deixam sinais como cacos de cerâmica e restos de fogueira. Descartada essa hipótese, o registro arqueológico só podia ser dos símios. Pedras usadas por humanos, além disso, costumam ser bem maiores que os seixos de até 3 centímetros usados pelos macacos.

O caso dos macacos-pregos despertou tanto interesse entre cientistas que estudam a evolução humana que arqueólogos com experiência em trabalhar no leste da África –o “berço da humanidade”– estão indo agora para o Piauí para estudar os primatas do Novo Mundo. 

É o caso de Tomos Proffitt, do University College de Londres, e Richard Staff, do Centro de Pesquisas Ambientais das Universidades Escocesas, que assinam o novo estudo junto com Falótico. O grupo inclui também um psicólogo, Eduardo Ottoni, da USP, pioneiro no estudo da inteligência dos macacos-pregos.

Um dos fatos que mais intrigam os pesquisadores dedicados a essa questão é que esses pequenos primatas sul-americanos têm uma distância evolutiva de cerca de 40 milhões de anos para os outros grandes macacos– chimpanzés, orangotangos e gorilas. É improvável que o ancestral comum entre macacos-pregos e os grandes macacos (que é o mesmo ancestral que humanos têm em comum com os macacos-prego) tenha desenvolvido a capacidade de usar ferramentas há tanto tempo.

Os macacos-pregos, além de usar pedras para golpear nozes, usam varetas como ferramentas para colher mel de abelha ou para desentocar lagartos que querem comer. Por serem perecíveis, as varinhas não sobrevivem no registro arqueológico, mas nada indica que elas também não possam ter sido usadas durante todo esse tempo.

A sofisticação com a qual os macacos-prego usam ferramentas hoje, então, é um exemplo marcante de como a inteligência abstrata requerida para isso e a capacidade de transmissão cultural podem evoluir de maneira independente. Os pesquisadores já conseguem enxergar pontos em comum com a situação na qual os ancestrais dos humanos evoluíram no leste da África.

“O único gênero de primatas do Novo Mundo que usa ferramentas é o do macaco-prego, e ele pode ser estudado como um modelo mais independente para emergência do uso de ferramentas e tradições”, explica Falótico, traçando um paralelo com o macaco-prego e os primatas ancestrais humanos. “Esses grupos que usam ferramentas são mais ‘terrestres’, ou seja, usam bastante o espaço do solo, habitam áreas mais secas, com características de savana, e têm à disposição pedras adequadas para fazer essas ferramentas.”

Os cientistas pretendem agora aprofundar as escavações na Serra da Capivara e estudar a mudanças ecológicas antigas da região para entender melhor como esse pequenos notáveis macacos se relacionavam com o ambiente.

Fonte: FolhaPress

Gleison Fernandes
Gleison Fernandeshttps://portalcidadeluz.com.br
Editor Chefe do Portal Cidade Luz

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Posts Recentes

Guadalupe e mais 23 municípios do Piauí irão receber o sinal da TV Assembleia

A ampliação será viabilizada pelo Programa Brasil Digital a fim de fortalecer a radiodifusão pública. Por Leônidas Amorim - Colunista...

Semáforos de Teresina ficarão piscando em amarelo durante a madrugada

Medida foi testada na Avenida Marechal Castelo Branco. A partir de hoje, alguns semáforos de Teresina ficarão piscando em amarelo...

Piauí lidera ranking nacional de notas altas no Enem 2024, diz governador Rafael Fonteles

Com uma média nacional de 660 pontos, o Piauí se destaca não apenas pelo número de notas altas, mas...

Empresários são presos suspeitos de comércio ilegal de celulares em Teresina

Os empresários foram presos na 33ª Operação “Interditados” e tiveram as lojas fechadas administrativamente. Em nova fase da Operação “Interditados”,...
spot_img

Combustível deve ficar mais caro em fevereiro por conta do ICMS

De acordo com o Comitê de Política Fazendária, preço da gasolina e do etanol deve subir de R$ 0,10...

Wellington Dias propõe colaboração e assistência humanitária em resposta às crises geradas pelas chuvas nos estados

Ordem do presidente Lula é que ministros e Defesa Civil busquem soluções para amenizar as tragédias causadas pelo excesso...
spot_img

Posts Recomendados