A convocação do general Eduardo Pazuello para depor na CPI da Pandemia criada no Senado assustou o governo, criou constrangimento nas Forças Armadas e reforçou uma certeza: o Exército não vai dividir responsabilidades com o ex-ministro da Saúde por eventuais erros e omissões de sua gestão.
Essa avaliação foi repassada à CNN por três oficiais-generais, um deles da ativa. Segundo eles, as Forças Armadas vão deixar evidente que a decisão de Pazuello de aceitar o cargo de ministro teve caráter pessoal. “O Exército não vai segurar a barra do Pazuello”, disse Francisco Mamede de Brito Filho, general da reserva.
A grande preocupação da Força é não deixar que os problemas da gestão de Pazuello respinguem ainda mais na instituição. Na condição de anonimato, um dos oficiais diz que quem assumiu o ministério foi Pazuello, não o Exército. Os militares ouvidos admitem, porém que a atuação do ex-ministro gerou um desgaste das Forças Armadas junto à opinião pública.
A presença de um oficial da ativa numa CPI não é inédita, mas, desta vez, existe um constrangimento relacionado ao fato de que um general está no foco das investigações, embora ele tenha sido formalmente convocado como testemunha (se fosse chamado na condição de investigado, poderia até não comparecer). Para um dos oficiais consultados, a ida de Pazuello à comissão é muito ruim.
Um outro fator complica a situação de Pazuello — embora não tenha se manifestado publicamente sobre isso, a cúpula militar nunca deixou de condenar o fato de o general não ter passado para a reserva ao assumir o ministério. O general Brito Filho ressalta que o cargo de ministro é politico e que, portanto, não é bom que seja ocupado por um militar da ativa. “Como fica a situação desse militar quando volta para o quartel?”, questiona.
Na lógica da caserna, a passagem da reserva rompe com os vínculos do oficial com a instituição e evita uma confusão de papéis. Mas não vai ser fácil para as Forças Armadas se descolarem de problemas relacionados ao combate à pandemia. Erros cometidos por militares, da ativa ou da reserva, foram citados em dois dos 23 itens do relatório preparado pela Casa Civil da Presidência e que trata de temas que poderiam ser explorados na CPI.
O documento menciona a militarização do Ministério da Saúde e a atuação de Pazuello e do então ministro da Casa Civil, Braga Netto, encarregado, no ano passado, de coordenar um comitê de crise criado para monitorar o combate à pandemia. O governo tenta evitar que Braga Netto, hoje ministro da Defesa, seja convocado pela CPI – um requerimento que pede sua presença foi protocolado pelo senador Humberto Costa (PT-PE).
O adiamento da ida de Pazuello à CPI e as informações sobre sua eventual busca de um habeas corpus preventivo no Supremo Tribunal Federal acrescentaram mais tensão às conversas entre os militares. Há até o temor de que o general compareça fardado ao depoimento, algo considerado “catastrófico” por oficiais, já que reforçaria sua ligação com o Exército.
Para um dos militares consultados, a tarefa de assumir o Ministério da Saúde em plena pandemia seria delicada para qualquer pessoa, mas as características de Pazuello pioraram a situação, por ele não estar preparado para a exposição que viria com a função.
No início do governo Jair Bolsonaro, Brito Filho, já na reserva, ocupou o cargo de chefe de gabinete da presidência do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), uma experiência que durou apenas quatro meses. Para ele, os militares do alto comando devem estar preocupados com a exposição da categoria no governo. Cita como exemplo o comportamento mais discreto, nos últimos meses, do general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional.
Para um outro general, o caso Pazuello demonstra a necessidade de mudança na norma que permite a militares da ativa ocuparem funções civis por até dois anos. O ideal, afirma, seria a adoção de um critério mais rígido, que proibiria a presença nesses cargos de ocupantes de carreira de Estado, como militares e delegados da Polícia Federal.
Chegou a citar o exemplo de Sérgio Moro, que teve que pedir demissão da magistratura para assumir o Ministério da Justiça no início do governo. Para ele, esse desligamento deveria ocorrer em todos os casos que envolvam pessoas que tenham carreira de Estado.
Por Fernando Molica, CNN