Cotado para a Fazenda, petista participa de almoço com banqueiros em São Paulo.
O PT quer formar uma dobradinha entre Fernando Haddad e Persio Arida no comando da área econômica, de forma a manter o partido no comando de decisões estratégicas –mas abrindo espaço para a influência de um economista liberal na formulação de políticas públicas.
A dupla indicação colocaria Haddad no comando do Ministério da Fazenda, que concentra importantes decisões de política econômica, enquanto Persio assumiria a pasta do Planejamento, que deve ficar com o Orçamento e também com as discussões de reforma do Estado.
Caso esse cenário se confirme, a intenção do partido é anunciar os dois nomes ao mesmo tempo para evitar uma reação negativa do mercado, que tem resistências a Haddad e tende a ser mais receptivo com a eventual nomeação de Persio –que, no entanto, ainda hesita em aceitar um cargo no governo.
Apesar da torcida, a dúvida de petistas sobre um “sim” de Persio —ex-presidente do Banco Central e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), além de ser um dos “pais” do Plano Real— faz com que integrantes mantenham apostas também em nomes técnicos dentro do próprio PT.
Haddad já vinha mantendo conversas com representantes do mercado financeiro e, nesta sexta-feira (25), representará Lula em um encontro com membros da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), entidade que reúne os principais bancos do país. O almoço é organizado anualmente pela entidade.
A presença do petista no evento é emblemática e tem sido encarada como uma espécie de teste do ex-ministro, que já assumiu a dianteira nas bolsas de apostas de quem será o chefe da equipe econômica de Lula.
Haddad vai participar do evento representando Lula. O encontro terá uma apresentação sobre a atual conjuntura econômica feita pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Interlocutores vêm intensificando conversas com bancos e corretoras para diminuir a rejeição a Haddad, argumentando que o ex-ministro tem a previsibilidade como qualidade —o que seria positivo para aparar arestas e acalmar o mercado.
Nos bastidores, também tem sido sugerido que, no ministério, Haddad poderia ter uma gestão semelhante à adotada por Antonio Palocci durante o primeiro governo Lula —o que seria visto como positivo pelo mercado— e mais distante daquele feito mais tarde pelo ex-ministro Guido Mantega, que sofre rejeição ainda mais forte do empresariado.
Haddad já tem mantido conversas com integrantes do grupo de economia na transição sobre diversos temas, incluindo a PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição, medida em negociação pelo governo eleito para ampliar os gastos com o novo Bolsa Família, desafogar o Orçamento de 2023 e honrar promessas eleitorais de Lula como o aumento real do salário mínimo.
Um dos integrantes do grupo é justamente Persio, que também é próximo do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB).
Haddad já havia viajado com o presidente eleito à COP27, conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), o que foi interpretado como uma sinalização de que seu nome ganha força para compor o novo governo. Durante o evento, Haddad atuou como braço direito de Lula em diferentes reuniões, e os relatos são de que os laços entre ambos se estreitaram ainda mais.
O ex-ministro da Educação reúne duas características importantes para Lula: afinidade e confiança. Pela importância que tem para o presidente eleito, Haddad também já foi citado como ministro de outras pastas importantes —como Itamaraty, Educação e o próprio Planejamento.
Haddad foi o substituto do ex-presidente na campanha eleitoral de 2018, quando Lula foi impedido de ser candidato. Relembrando aquele momento, ele contou em entrevista à agência Reuters que o ex-presidente o teria escolhido como ministro da Fazenda em caso de vitória na disputa. “Não se sabe disso, mas antes de eu ser convidado para ser vice de Lula, eu fui convidado por ele para ser ministro da Fazenda”, afirmou Haddad.
Professor de ciência política na USP (Universidade de São Paulo), Haddad é formado em direito e, além do mestrado em economia, tem doutorado em filosofia.
Entre os diferentes integrantes do partido, há quem questione a habilidade de diálogo de Haddad em negociações. A proposta mais urgente a ser costurada com o Congresso é justamente a que permite despesas fora do teto de gastos nos próximos anos —que se tornou um imbróglio para o partido e travou em meio a problemas de articulação.
É comentado no partido que um melhor negociador seria Alexandre Padilha, também cotado para o comando da Fazenda e que é mencionado no mercado como alguém de perfil menos ideológico. Ele, por sua vez, não é uma unanimidade na sigla quando a discussão é o comando da área econômica.
De qualquer forma, a composição de uma equipe com nomes do PT e outros de visão mais liberal já vem sendo testada na própria transição e é desejo do partido manter essa lógica durante o governo. O grupo de economia é coordenado por Persio, André Lara Resende, Nelson Barbosa e Guilherme Mello.
As informações vêm circulando enquanto no próprio partido há o diagnóstico que a falta de um ministro da Fazenda tem causado prejuízos ao governo eleito.
Nesta quinta-feira (24), o senador petista Jaques Wagner afirmou que a falta de um nome para ocupar a Fazenda no futuro governo tem sido um obstáculo para o avanço da PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição, que busca abrir espaço no Orçamento para que Lula cumpra suas promessas de campanha. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, contestou a fala e disse que o problema está na articulação do partido no Senado.
Nesta sexta, diversos representantes do governo eleito –entre eles, Jaques Wagner— estarão em São Paulo para se encontrar com Lula.
O suspense sobre o nome do comandante da área econômica se soma a outros episódios que têm deixado o mercado intranquilo quanto ao futuro governo Lula. Falas do presidente eleito indicando uma valorização do social e uma menor atenção à responsabilidade fiscal repercutiram mal junto aos agentes financeiros e provocaram turbulências na Bolsa.
Nesse cenário, Alckmin tem aproveitado para reiterar que os governos anteriores de Lula foram marcados pela responsabilidade fiscal, mas que o presidente eleito não pode deixar de ressaltar a importância de combater a fome e manter o Bolsa Família (atual Auxílio Brasil) em R$ 600.
Por Catia Seabra , Idiana Tomazelli , Alexa Salomão e Douglas Gavras/FOLHA SÃO PAULO