Demissão de Silva e Luna não deve mudar política de preços da estatal, assim como saída de Castello Branco em 2021 não alterou, avaliam economistas.
A demissão do presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna — ainda não oficializada, mas confirmada pelo Ministério de Minas e Energia nesta segunda-feira (28/3) —, não deve mudar a política de preços da estatal, avaliam economistas que atuam no mercado financeiro.
Segundo os analistas, a demissão é uma ação política do presidente Jair Bolsonaro (PL) para deixar claro à sua base em ano eleitoral seu descontentamento com a alta de preços dos combustíveis, após o forte reajuste promovido pela Petrobras no início de março, com aumento de 25% do diesel, 19% da gasolina e 16% do gás de botijão.
Mas, assim como aconteceu com a demissão de Roberto Castello Branco em fevereiro de 2021, após um reajuste de 14,7% no diesel e 10% na gasolina pela estatal naquele mês, os economistas avaliam que a saída de Silva e Luna não deve resultar em uma mudança significativa nos rumos da empresa.
Ainda mais que o nome escolhido para substituir Silva e Luna é o do consultor Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e que foi conselheiro para a área de energia da campanha de Aécio Neves (PSDB) em 2014.
O novo presidente da Petrobras foi um feroz crítico da política de controle de preços durante o governo de Dilma Rousseff (PT) e é um defensor vocal da paridade internacional — modelo em que o preço dos combustíveis no mercado interno segue a variação de itens como o preço do barril de petróleo no exterior e a cotação do dólar.
Em entrevista à BBC News Brasil ao fim de fevereiro, por ocasião do início da guerra na Ucrânia, Pires defendeu que o petróleo em alta é bom para o Brasil, apesar de gerar inflação, porque o país é produtor e exportador do óleo e, portanto, a arrecadação de impostos da União, Estados e municípios cresce quando os preços sobem.
‘Não é fácil alterar a política de preços’
“A mudança é ruim, porque mostra que o governo está interferindo na empresa”, avalia Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da gestora de recursos Ryo Asset.
“Não quero minimizar essa interferência política, mas acredito que o mercado já entendeu que a forma de Bolsonaro conduzir é ruidosa, sem que no final do dia tenha mudança material na política da empresa”, observa.
“Foi o que aconteceu com a entrada do Silva e Luna. Estamos vivendo novamente o que vivemos quando Castello Branco saiu, que o mercado ficou superapreensivo e, no fim das contas, o Silva e Luna não alterou [a paridade de preços]. A verdade é que não é fácil alterar a política e o mercado entendeu isso”, conclui o analista.
Para José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do banco Fator, a descrença do mercado com relação a uma mudança na política de paridade se reflete na pequena queda das ações da Petrobras nesta segunda-feira.
As ações ordinárias da empresa (aquelas com direito a voto) caíram 2,63%, negociadas a R$ 34,08, e as preferenciais (sem direito a voto) recuaram 2,17%, cotadas a R$ 31,60.
Os papéis já estavam em queda mesmo antes da notícia da provável demissão, devido à baixa nos preços do petróleo nessa segunda-feira, com o endurecimento do lockdown contra a covid-19 na China, que gera preocupações sobre o crescimento da economia do país asiático.
“Uma queda de 2,6% é pouca coisa, aparentemente o pessoal não está levando muito a sério”, observa Gonçalves.
“Como já aconteceu isso [a demissão de um presidente da Petrobras sob Bolsonaro após reajuste de preços], isso é visto mais como uma ‘esperneada’, uma tentativa de Bolsonaro de dizer ‘eu faço o que consigo, mas o pessoal não ajuda’, como ele tem feito recentemente”, observa.
Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, compartilha da visão dos colegas, de que a mudança de política é improvável, mas reforça que ela seria muito negativa para a economia e bastante malvista pelo mercado.
“Seria bem negativo, não só para a Petrobras, mas também do ponto de vista fiscal, porque controle de preços nunca é bem visto. Não funciona para a controlar a inflação e só cria mais estresse, porque o preço represado gera mais expectativa de inflação no futuro”, diz Vitória.
“Se de fato houver uma mudança na política e uma redução forçada de preços, isso pioraria a expectativa de juros, num momento em que o Banco Central finalmente conseguiu ancorar as expectativas de alta para a Selic em 12,75%. O BC ter que subir mais juros, se as expectativas piorarem novamente, pode impactar no crescimento da economia”, acrescenta.
‘Petróleo em alta é bom para o Brasil’
Cotado para assumir a presidência da Petrobras, o consultor do setor de energia Adriano Pires é um defensor histórico da política de paridade de preços.
A Petrobras adotou o chamado PPI (Preço de Paridade de Importação) em 2016, após anos praticando preços controlados, sobretudo no governo Dilma Rousseff. O controle de preços era uma forma de mitigar a inflação, mas causou grandes prejuízos à petroleira.
Por essa política, em momentos como o atual, em que o petróleo está mais caro no mercado internacional devido aos efeitos da guerra na Ucrânia, os preços dos combustíveis ficam mais caros no mercado interno.
Em entrevista à BBC News Brasil em 24 de fevereiro, quando o barril do petróleo chegou a valores acima de US$ 100 pela primeira vez desde 2014, Pires disse que o petróleo em alta é bom para o Brasil, apesar de gerar inflação.
“O Brasil hoje, ao contrário do passado, virou um grande produtor e exportador de petróleo. Então o petróleo caro aumenta a arrecadação de Estado, município e União no Brasil. Isso é notícia boa, um país importador está muito pior do que Brasil”, disse Pires, na ocasião
“Às vezes o pessoal me liga e pergunta: ‘Adriano será que o petróleo volta para US$ 50?’ Eu digo: o Brasil é exportador, eu quero que o petróleo vá a US$ 200. Pergunte à Arábia Saudita se ela prefere petróleo a US$ 200 ou a US$ 50, agora nós somos do time da Arábia Saudita”, completou.
Pires defendeu então usar parte do aumento de arrecadação gerado pela alta do petróleo para criar programas sociais voltados a públicos específicos, como subsidiar as tarifas do transporte urbano, dar um auxílio aos caminhoneiros autônomos e aumentar o número de famílias beneficiadas com o auxílio-gás aprovado no Congresso ano passado.
Em fevereiro, o Senado aprovou um projeto para que o governo federal repasse aos municípios, Estados e Distrito Federal o valor da gratuidade dos idosos no transporte público urbano. A proposta evitaria aumento da passagem esse ano, segundo prefeituras, mas ainda aguarda votação na Câmara.
O Senado também aprovou projeto que amplia acesso ao auxílio-gás para 11 milhões de famílias e um auxílio-gasolina para taxistas, motoristas de aplicativos e entregadores. As propostas também aguardam votação na Câmara, mas o auxílio para motoristas só seria possível em 2023, devido à legislação eleitoral.
Gonçalves, do Fator, e Leal de Barros, da Ryo Asset, veem o nome de Pires com bons olhos.
“O Adriano é um cara do setor, um técnico cuja especialidade é o setor de óleo e gás. Isso minimizaria o receio do mercado de um ‘cavalo de pau’ na política de preços”, diz Leal de Barros.
“A mudança é ruim de qualquer forma, mas um fator que minimiza é o custo reputacional de um próximo presidente especialista no setor de topar esse desgaste de credibilidade [que seria gerado por uma mudança na política de preços]. Não é todo mundo que topa jogar seu nome no lixo para atender uma demanda política”, completa.
Segundo Barros, a reação seria muito diferente se o escolhido for um nome como o de Caio Mario Paes de Andrade, atual secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia e antes presidente da Serpro (estatal de processamento de dados do governo).
Por BBC