O “Mercado” nunca irá se comover com a pobreza. Pelo contrário, o “Mercado” dará um jeito de lucrar com a miséria. O “Mercado” não chora junto com quem sofre, o mercado vende o lenço para quem chora. O capitalismo é assim.
O “Mercado” é essa entidade abstrata, sem nome e sem endereço fixo, mas que aparece por meio da mídia, de vezes em quando, para nos lembrar de que é preciso deixar os pobres onde eles estão, num campo da invisibilidade e sem poder de decisão. A fome não é um assunto para o “mercado”. Nunca foi. Carolina Maria de Jesus sempre esteve certa quando disse que “O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome”. O choro de Lula incomoda porque o “Mercado” nunca se importou com quem passa fome.
Não, o pranto de Lula não deve servir como argumento para ajustes fiscais e econômicos. O pranto de Lula não é chantagem emocional para furar o teto de gastos. Não é argumento para convencer políticos e muito menos o Capital. Porque, veja, o “Mercado” não está nem aí para quem se emociona. De fato estamos falando de números frios e, sinceramente, o choro de um presidente não irá comover “Mercado” algum.
É claro que não precisamos de um presidente que apenas se emocione, precisamos de um presidente que transforme o pranto em ação. O pranto de Lula não é nenhum pedido de licença para irresponsabilidades fiscais. Durante a campanha muito se criticou Lula por fazer um discurso do “olha o que fizemos”, ao invés de falar sobre o que iria fazer caso fosse eleito. Não acho que foi um erro. Precisamos lembrar os pontos positivos de seus governos. Além disso, a maior fatia de eleitores de Lula foi a de pobres, negros e nordestinos. Isto não é por caso. É uma parte significativa da população que lembra de tempos melhores, porque como disse Carolina Maria de Jesus, a fome educa.
Por outro lado, essa ideia colonialista e ocidental de elidir as emoções do campo da razão, como se os afetos fossem menores, como se não fôssemos todos constituídos de sentimentos. Ou ainda argumentos de que a razão é coisa para adultos. A emoção é infantil, relegada a quem não pensa, a quem não é racional. Aquela mesma falácia do filósofo Descartes com a síntese maniqueísta ocidental do “Penso, logo existo”, separando pessoas entre as que pensam e as que não pensam, entre as que merecem existir, das que não merecem existir porque “só sentem”.
Lula ainda não assumiu. É presidente eleito e que encontra a recusa de uma grande parte da população ressentida com sua vitória. Lula tem feito discursos para apaziguar os ânimos. Não será um governo fácil. Há destruição por todos os lados. O estrago bolsonarista ainda deixará sequelas por muitos anos. No entanto, tal situação não dá carta branca para Lula ser irresponsável com a economia. Estamos todos de olho. Elegemos políticos para atender interesses da sociedade, não para defendê-lo a qualquer custo.
Tivemos há pouco tempo um presidente que nunca se comoveu com as mortes da pandemia e deu no que deu. Um presidente que não se comove com mais de 30 milhões de pessoas passando fome é que deveria ser um problema. A inversão de valores atende a lógica capitalista. Talvez, quatro anos de uma tragédia que se abateu nesse país na era Bolsonaro tenha nos deixado dessa forma: sem o direito a comoção. Os discursos de ódio e de violência nos atingiram a todos e não precisamos de mais um presidente indiferente para os que sofrem.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
Por Jeferson Tenório/Colunista do UOL