O ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, publicou um despacho em que questiona a legalidade de contrato firmado entre a consultoria Alvarez & Marsal e o ex-juiz federal e ex-ministro da Justiça.
O documento, assinado na última quarta- feira (24), requisita à empresa e ao juiz da 1ª Vara de Falências de São Paulo que esclareçam, no prazo de 48 horas, se “o contrato celebrado com o ex-juiz se trataria, na verdade, da ‘compra’ de informações privilegiadas obtidas pelo então magistrado” para que seja avaliado o bloqueio de pagamentos à consultoria.
Dantas também solicitou à Alvarez & Marsal informações sobre o valor da remuneração paga a Moro. Ele levanta a possibilidade de o ex-juiz ter tido acesso a informações sigilosas do funcionamento da Odebrecht e de se beneficiar por “ter contribuído para a situação de insolvência da empresa”.
“Soa deveras conflitante que, após ser investida na condição de administradora judicial das empresas do grupo Odebrecht, em 17.jun.2019, a Alvarez & Marsal tenha incorporado ao seu quadro societário, em 30.nov.2020, o ex-juiz Sergio Moro”, escreveu o ministro.
“Além de possuir informações privilegiadas sobre o funcionamento das empresas do grupo Odebrecht, o então juiz teria tomado decisões judiciais e orientado as condições de celebração de acordos de leniência, o que naturalmente contribuiu para a situação econômico-financeira da empresa da qual resultou o processo de recuperação judicial”, afirmou Dantas.
O ministro do TCU citou ainda as supostas mensagens reveladas pela operação Spoofing em que Moro teria orientado a forma de atuação de procuradores do MPF (Ministério Público Federal) com a Odebrecht.
“Mensagens tornadas públicas recentemente apontam para o fato de que o ex-juiz teria orientado a forma de atuação de procuradores do MPF nas denúncias e ações contra a empresa”, disse.
Dantas afirmou que, com a medida, a Alvarez & Marsal poderá demonstrar “todo o cuidado” que teve ao contratar Moro, esclarecendo inclusive se isso foi feito por meio de uma agência de headhunter.
Moro assumiu cargo na consultoria norte-americana em dezembro, para atuar na área de “disputas e investigações”. A empresa tem quase R$ 26 milhões a receber de alvos da operação Lava Jato, como a Odebrecht.
O ofício assinado pelo ministro do TCU responde a um pedido do subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, do MPTCU (Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União), que solicitou ao Tribunal (íntegra – 87 KB) a suspensão de qualquer pagamento à empresa Alvarez & Marsal referente à recuperação judicial da Odebrecht, até que o tribunal avalie o papel de Moro no agravamento da situação econômica da empreiteira.
Duas decisões judiciais estabelecem os montantes destinados ao escritório que Moro presta consultoria. Num dos despachos (íntegra – 68 KB), de 2019, o juiz João de Oliveira Rodrigues Filho determina que a Atvos, produtora de etanol pertencente ao grupo Odebrecht, pague o valor de R$ 10,8 milhões, em 30 parcelas de R$ 360.000.
A outra decisão (íntegra – 60 KB), de 2015, estipula à OAS o valor de R$ 15 milhões, divididos em 30 parcelas mensais, sendo as 10 primeiras no valor de R$ 400.000, as 10 seguintes no valor de R$ 500.000 e as 10 últimas no valor de R$ 600.000. Esse contrato, segundo o escritório informou ao Poder360, foi firmado em 2015.
Ao pedir a suspensão de pagamentos para a Alvarez & Marsal, Furtado diz ser necessário considerar o “risco de conflito de interesses que pode surgir” quando Moro, em um primeiro momento, “atua em processo judicial que interfere no desempenho econômico e financeiro da empresa e, em em um segundo momento, aufere renda, ainda que indiretamente, com o processo de recuperação judicial para o qual seus atos podem ser contribuído”.
O QUE DIZ A ALVAREZ & MARSAL
Em 1º de dezembro, ao Poder360, a assessoria da Alvarez & Marsal negou que o contrato assinado por Moro possa gerar conflitos de interesse.
“Sergio Moro foi contratado para atuar na área de ‘Disputes and Investigation’, liderado por Marcos Ganut no Brasil. Existe uma alta demanda do setor privado para o desenvolvimento e criação de sistemas de integridade, conformidade e compliance. A A&M atua na busca pelo aprimoramento, reestruturação e adoção de políticas efetivas de conformidade das empresas, e não na defesa delas”, diz a nota.
“Foi estabelecido uma cláusula contratual em que Moro não atuará em projetos que possam gerar conflitos de interesse. Mais do que isso, a A&M não advoga em defesa das companhias, mas como advisor para reestruturações e transformações corporativas, esta última prática onde se encontra a área de ‘Disputes and Investigations’”, acrescenta o escritório.