No Dia do Nutricionista, profissionais criticam dietas e afirmam que profissão não serve para moldar corpos.
Uma nutricionista antidieta e um nutricionista gordo: o que eles têm em comum além de fugir de estereótipos? Ambos acreditam que se alimentar bem é mais do que listar nutrientes e ter um corpo magro. Conhecidos nas redes sociais com os perfis Nutrição (Des)Construída e Nutricionista Gordo, Pabyle Flauzino e Erick Cuzziol descontroem a ideia de que a nutrição deve ser atrelada a dietas restritivas e ao emagrecimento.
“Você não diz que vai comer o carboidrato que a avó fez, mas o bolo. Por que retirar isso da memória afetiva? As pessoas estão listando nutrientes, não se alimentando, e isso não precisa ser desta forma”, afirma Flauzino.
No Dia do Nutricionista, celebrado em 31 de agosto, a CNN conversou com os dois profissionais, que vêm fazendo barulho nas redes sociais ao falar sobre o ‘direito de ser gordo e nutricionista’ e que ‘a função do nutricionista não é modelar corpos’.
Dieta x obesidade
Foi com o pseudônimo “Nutricionista Gordo” que Cuzziol resolveu falar sobre nutrição pelo ponto de vista de quem estudou, mas também sentiu na pele como as dietas restritivas nem sempre funcionam. “Eu ouvia que as pessoas gordas vivem dando desculpas e fui tratado como mentiroso. Eu sou gordo, não queria ser, mas quando entendi o que era ser gordo e a importância de gostar de mim, as coisas mudaram”, conta.
Antes de chegar aos milhares de seguidores explicando sobre ‘comportamento alimentar’, Cuzziol precisou mostrar que tinha o direito de estudar nutrição. Sendo uma pessoa gorda, ele foi alvo de piadas durante a graduação e teve dificuldade para conseguir emprego após se formar.
“Eu ouvia que ser nutricionista e gordo era a mesma coisa que economista falido. Dentista com dente podre. E isso é assustador, porque são profissionais que estudam a obesidade e sabem que ela se manifesta por várias questões, não somente porque a pessoa não come bem ou não se exercita. Há questões genéticas e sociais também”, explica.
Segundo Cuzziol, ao longo dos anos, a ciência descobriu que as pessoas com obesidade têm fatores individuais, como metabolismo, consumo de alimentos e fatores psicológicos, além de fatores externos e ambientais, que não são controlados e devem ser considerados. Por isso mesmo, a orientação alimentar para a obesidade pode ser mais focada no controle de peso do que na questão estética.
Muito além do peso
Mas não foi só a experiência própria que embasou sua tese de que as dietas não funcionam de forma igual para todos, e que a nutrição se baseia mais em questões comportamentais do que em contagem de calorias. Segundo Cuzziol, cientistas começaram a perceber que havia uma piora no controle de peso após a opção por dietas muito restritivas. E a conclusão foi alarmante. “Estamos causando obesidade através da dieta. Se eu modifico todos os seus hábitos, e você não consegue sustentá-los, você começa outro processo de ganho de peso”, afirma.
Ele dá como exemplo um estudo publicado no ano passado pelas universidades britânicas de Leeds e Lancaster, que analisou por 10 anos como a mídia inglesa tratava a obesidade. O trabalho concluiu que havia na grande maioria dos relatos a culpabilização da pessoa gorda por sua situação.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores analisaram reportagens publicadas de 2008 a 2017 e concluíram que os relatos sobre obesidade não levavam em conta fatores ambientais e a influência da indústria alimentícia em hábitos alimentares, o que ajudou ao longo dos anos a criar um estigma sobre as pessoas gordas.
Outra pesquisa, feita por pesquisadores da King´s College of London, no Reino Unido, e divulgada pela Nature Medicine em 2020, mostra que a estigmatização de pessoas gordas pode ter efeitos sociais devastadores, piorando o acesso delas ao trabalho e à saúde e aumentando a chance de desenvolverem problemas mentais.
“Explicar a lacuna entre as evidências científicas e uma narrativa convencional da obesidade construída em torno de suposições e equívocos não comprovados pode ajudar a reduzir o preconceito de peso e seus efeitos prejudiciais”, escreveram os pesquisadores.
Alimentação saudável sem dieta
Ambos os especialistas concordam o ato de se alimentar de forma saudável deve levar em conta a diversidade e acessibilidade de alimentos e a estabilidade de horários de refeições. “É mais importante definir horários, se organizar para fazer as compras e preparar as refeições do que restringir”, diz Cuzziol.
Flauzino explica que a nutrição saudável vai além das ‘regrinhas’, e que o Brasil, por sua alta diversidade alimentar, não precisa ter uma dieta única. A grande inspiração, ela diz, é o Guia Alimentar para a População Brasileira, que tem como base alimentos naturais e regionais.
O guia publicado pelo Ministério da Saúde em 2014 se opõe ao nutricionismo – recomendações alimentares centradas em nutrientes, não em alimentos – e utiliza como parâmetro a classificação NOVA, que organiza os alimentos segundo o propósito e o grau de processamento, e não de acordo com o tipo de nutriente predominante no alimento.
Segundo Flauzino, hoje as pessoas são levadas a crer que é mais importante comer carboidrato ou proteína do que alimentos em si. Enquanto o mais importante é comer o que quiser com equilíbrio, explica. De acordo com a nutricionista, todos os alimentos são permitidos, sem a necessidade de dietas da moda. “Dá para ter uma alimentação saudável sem dietas restritivas, quando você começa a comer alimentos in natura, diminuir processados, cozinhar, e sem a necessidade de focar somente na nutrição”.
Para ela, ingerir alimentos considerados menos saudáveis em uma festa não deveria ser questionado, porque comer é um ato social também. “Não é correto comer sorvete todos os dias, porque pode causar problemas de saúde, mas tudo bem em determinadas ocasiões, como uma reunião familiar. Isso também é promover saúde”.
A nutricionista destaca que ser contra dieta não quer dizer que ela não apoie o emagrecimento de pessoas que querem perder peso. Mas, antes de receitar qualquer alimento, é importante entender o contexto que a pessoa vive e o motivo de querer emagrecer.
“Quando alguém me procura para o emagrecimento, eu trabalho os motivos da demanda. Em 99% dos casos, não é a primeira vez que a pessoa está tentando emagrecer. Então, quero entender o que aconteceu antes e de onde vêm essas expectativas”.
Camila Neumamda CNN