Estiagem no Sul do país gerou perdas em lavouras de soja e milho, elevando preços dos grãos, que são ração para aves. Com isso, valor do frango pode subir mais. Feijão, arroz e pecuária de leite e de corte também sofrem com clima adverso.
A seca no Sul do país e o excesso de chuvas em partes do Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste geraram perdas na produção agropecuária, estão aumentando os custos no campo e devem pressionar a inflação dos alimentos ao consumidor neste ano.
Os problemas climáticos se estendem desde o fim do ano passado, como resultado do fenômeno La Niña que, em resumo, provoca chuvas fortes no Norte e Nordeste do Brasil e estiagem no Sul.
Por causa desses choques, municípios do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Goiás e Tocantins, por exemplo, chegaram a declarar situação de emergência.
Alguns dos principais impactos, por enquanto, estão nos seguintes grupos de alimentos:
- Milho e soja: a falta de chuva prejudicou o desenvolvimento das plantas, gerando perdas em lavouras do Sul e de parte do Centro-Oeste. Essa situação vem pressionado os preços dos grãos, que já tiveram altas no ano passado por causa da seca.
- Frango: o milho e o farelo de soja compõem a ração das aves e, com alta no valor dos grãos, os custos do setor estão aumentando. O preço do frango já subiu em 2021 por causa desse motivo e, segundo produtores, os custos atuais podem ser repassados ao consumidor nos próximos meses.
- Feijão: a seca provocou queda na produção de lavouras do Paraná, principal produtor do grão no país. Com isso, houve aumento do valor da saca no atacado, que também pode se refletir no varejo. As chuvas também geraram perdas no interior de Minas Gerais e Bahia, segundo a associação do setor.
- Arroz: apesar de impactos pontuais no Rio Grande do Sul, onde há a maior produção de arroz no, ainda não há estimativas oficiais de quebra de safra por causa da seca e nem de aumento de preços. A qualidade do cereal, porém, pode cair.
- Leite: a falta de chuvas está prejudicando a qualidade das pastagens e aumentou os gastos com a ração das vacas. Por outro lado, produtores estão com dificuldades de repassar custos para o consumidor, pois queda no poder de compra do brasileiro reduziu a demanda por lácteos.
- Carne bovina: a seca está atrasando a engorda a pasto no Sul e sustentando as cotações do boi em patamares elevados no campo. Por outro lado, especialistas dizem que é provável que esses custos não cheguem ao consumidor, pois o varejo não consegue mais absorver altas no preço desta proteína, que disparou em 2020 e seguiu em alta em 2021.
Perdas em milho e soja
As lavouras de soja e milho do Sul e de parte do Centro-Oeste são, até o momento, as que mais tiveram perdas por causa da seca. A falta de chuvas desde o final do ano passado prejudicou o desenvolvimento das plantas e, consequentemente, reduziu a produção de muitas fazendas.
No Sul, tem propriedade que já está indo para o segundo ou terceiro ano consecutivo de queda na colheita por causa de estiagem, conta o analista de grãos Lucilio Alves, do Centro de Estudos em Economia Aplicada (Cepea-Esalq/USP).
O cenário mais crítico é o do milho. A produção já foi menor em 2021 em função da seca e os produtores esperavam que a safra de verão – colhida no primeiro trimestre do ano – pudesse ocorrer dentro da normalidade.
Com o clima adverso, porém, os agricultores vão colher 14,5% menos que o previsto em dezembro pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A safra é estimada em 28,7 milhões de toneladas e representa praticamente uma estabilidade (+0,3%) em relação à colheita de verão da temporada anterior.
“O cenário é complicado porque a safra de verão é tradicionalmente menor e essa quebra acentuou a dificuldade de abastecimento, que já era esperada para o primeiro semestre. Tanto é que o preço da saca de milho já superou R$ 100 em algumas praças. No Sul, já não se encontra saca por menos deste valor”, diz o analista da consultoria Safras & Mercado Fernando Henrique Iglesias.
O setor, porém, espera recompor perdas com a entrada da segunda safra de milho, a partir de maio, que é bem maior e representa cerca de 75% da produção nacional do grão. Somando as três safras de milho do ano, o Brasil deve colher 112,9 milhões de toneladas, 29,7% mais que no ciclo passado.
Cenário para soja
Já o cenário para soja é mais favorável. Mesmo com problemas na produção do Sul, a estimativa de colheita de 140,5 milhões é recorde. “Não vai faltar soja para exportação, não vai faltar soja para atender mercado doméstico”, diz Iglesias.
Por outro lado, ele destaca que o excesso de chuvas em partes do Nordeste e Sudeste estão dificuldades logísticas.
“As chuvas deixaram estradas do Tocantins e de Minas Gerais destruídas. Então, há uma dificuldade de escoar a produção de soja neste momento, tanto que está atrasando a entrega deste produto no mercado interno”, diz Iglesias.
Impactos na produção de frango
O aumento do preço da saca de milho em função da seca afeta diretamente os gastos com a criação de aves e porcos. O grão, junto com o farelo de soja, compõem a ração desses animais e representam 70% dos custos do setor.
Em 2021, a alta do preço do milho, associada ao aumento da demanda, fez o preço do frango em pedaços, por exemplo, disparar 29,8% ao consumidor. E, neste ano, deve seguir em tendência de alta impulsionada por iguais motivos, diz a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Contudo, a entidade ressalta que o valor do milho no mercado atual não tem impacto imediato ao consumidor.
“O ciclo de produção de aves até a gôndola tem um delay [atraso] de operação que varia de três meses a seis meses, em média – no entanto, depende de cada empresa e de seus respectivos níveis de estoque de insumos”, disse a associação, em nota ao g1.
“As atuais cotações da saca de 60 kg do cereal deverão influenciar o preço dos produtos ao longo do ano, a partir do segundo trimestre. […] O aumento dos preços [ao consumidor] é um quadro provável neste contexto”, acrescentou.
A entidade explica ainda que o setor não está com dificuldade de encontrar milho para compra, mas, sim, de “gerenciar os altos custos impostos pelo mercado”. “Não há falta de insumos e as empresas estão mais preparadas em 2022, em relação ao último ano”, reforçam.
Excesso de oferta
Com custos em alta e preços em queda, Iglesias diz que muitos produtores de frango estão “operando no vermelho”.
Por outro lado, Iglesias comenta que o que está acontecendo hoje no mercado é, na verdade, um excedente de oferta de frango, que tem gerado redução no preço pago ao produtor e no atacado. Movimento que, entretanto, ainda não se refletiu no varejo, diz.
“Para a suinocultura (criação de porcos), o quadro é ainda mais grave porque as exportações não estão indo tão bem neste momento. A avicultura ainda conta com um bom fluxo exportação”, afirma.
Pecuária de corte
A seca também está reduzindo a qualidade das pastagens no Sul do país e gerando atraso na engorda a pasto, diz diretora da consultoria Agrifatto, Lygia Pimentel. Isso tem sustentado as cotações do boi em patamares elevados no campo.
Contudo, ela avalia que esse aumento não deve ser repassado ao consumidor. “O varejo já mostrou que não suporta mais altas”, diz.
Depois de disparar 18% em 2020, a carne bovina subiu mais 8,4% em 2021 nos supermercados, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“O que vai acontecer é que a margem das operações frigoríficas vai piorar. E depois a margem do pecuarista”, diz Lygia.
Paraná teve perdas em plantações de feijão
A seca também castigou as lavouras de feijão do Paraná, principal estado produtor, pressionando preços no atacado, que podem ser repassados ao consumidor, diz Marcelo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe).
A saca de 60 quilos de feijão está sendo comercializada, em média, por R$ 320 no campo, valor 19,2% maior que o praticado no país em janeiro de 2021, diz Lüders.
Em relatório, a Conab explicou que a falta de chuvas no Paraná prejudicou as lavouras na fase de florescimento, estágio em que mais necessitam de água. Lüders acrescenta que houve ainda prejuízos na fase de enchimento dos grãos.
Diante das perdas, a Conab reduziu, neste mês, em 42 mil toneladas (para 588,3 mil) a estimativa de colheita de feijão do Paraná, em relação à previsão feita em dezembro.
Lüders diz ainda que as chuvas geraram perdas em plantações do interior de Minas Gerais e Bahia, mas que essas ainda precisam ser contabilizadas.
No total, o Brasil deve colher 3,08 milhões de toneladas de feijão nesta safra, volume 7,2% maior do que no ciclo passado.
Arroz
Já na produção de arroz, apesar de perdas pontuais na região central do Rio Grande do Sul, não há, por enquanto, expectativa de redução de oferta e os preços continuam estáveis no mercado, explica a diretora executiva da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), Andressa Silva.
O estado é o maior produtor do cereal no país.
“Houve chuvas em outubro que encheram de forma suficiente as barragens, os rios. Então os produtores que não dependem exclusivamente de chuva estavam com boa capacidade”, diz.
“Já neste mês, mais próximo da colheita, alguns produtores que dependem mais de chuva estão com mais dificuldades e tendo que escolher áreas para irrigar e abandonando outras. Mas não é nada expressivo a ponto de reduzir a estimativa de safra”, diz Andressa.
Por outro lado, ela destaca que pode haver impacto na qualidade do cereal. “A falta de água pode influenciar na quantidade de arroz inteiros, que é um balizador de qualidade”, diz.
A Conab estima que a produção de arroz alcance 11,4 milhões de toneladas nesta safra, uma queda de 3,2% em relação à temporada anterior.
Leite
A seca também está prejudicando a pecuária leiteira no Sul do país. O principal impacto é na alimentação das vacas, seja pela falta de chuvas que reduziu a qualidade das pastagens, ou pela queda na produção de grãos, que aumentou os custos dos produtores com ração.
A diminuição da qualidade da alimentação influencia diretamente na produtividade das vacas e, portanto, é esperada, para os próximos meses, uma queda no volume de leite nos próximos meses, explica Juliana Santos, analista de leite do Cepea.
“Como a produção leiteira tem um ciclo longo, os impactos nas gôndolas [dos mercados] não serão sentidos de forma imediata. […] Vale ressaltar que o produtor está com dificuldade de repassar custos aos derivados do leite desde o ano passado, já que a perda do poder de compra do brasileiro freou a demanda por lácteos”, diz Juliana.
Ele comenta que, hoje, os criadores estão precisando vender 42,5 litros de leite para comprar uma saca de milho. Em janeiro do ano passado, essa relação era de 34 litros por saca.
Além dos gastos com alimentação, os custos com fertilizantes, suplementos minerais, combustível e energia também estão reduzindo a rentabilidade do setor.
Por Paula Salati, g1