Brasil tem aumento de denúncias de intolerância religiosa

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O registro de denúncias feitas ao Disque 100 cresceu – sobretudo após 2021, um ano depois do início da pandemia da Covid-19. Entenda quais são os grupos perseguidos e o que tem sido feito para combater esses ataques.

Intolerância Religiosa é o tema de uma reportagem especial do Fantástico deste domingo (21), Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa. O livre exercício de cultos religiosos e a liberdade de crença são realidades protegidas pela nossa Constituição. No entanto, casos de desrespeito e ataques no Brasil têm sido cada vez mais frequentes.

É o que afirmam os números do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, em um levantamento feito a pedido do Fantástico.

Religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, estão entre as cinco mais seguidas no Brasil, com mais de um milhão de adeptos. De acordo com o IBGE, os católicos praticantes são maioria: cerca de 123 milhões de fiéis. Em seguida estão os evangélicos, com 113 milhões.

Salvador Bahia, Brazil – February 12th, 2018: portrait of a two women with candomble costume parade member at the UNESCO-recognized Pelouinho district.
  • O Censo 2010 permitia respostas múltiplas em alguns questionários.

O registro de denúncias sobre intolerância religiosa feitas ao Disque 100, um serviço do governo, cresceu – sobretudo após 2021, um ano depois do início da pandemia da Covid-19. Também aumentaram as violações – que são os diversos tipos de violência relatados.

Em 2018, foram registradas 615 denúncias denúncias de intolerância religiosa no Brasil. O número saltou para 1.418 em 2023, um aumento de 140,3%. Já o número de violações passou, no mesmo período, de 624 para 2.124, um salto de 240,3%.

Entre 2022 e 2023, o aumento das denúncias foi de 64,5% e, o de violações, de 80,7%.

Em 2023, os registros saltaram. Os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia são os que mais têm denúncias.

“Esses dados são alarmantes. Cada vez mais a população tem compreendido que cenários, situação onde há violência, agressão em razão da religiosidade da pessoa se trata, sim, de uma violação de direitos humanos”, destaca o secretário nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Bruno Renato Teixeira.

Para enfrentar a intolerância religiosa e garantir a laicidade brasileira, o governo criou uma Coordenação de Promoção à Liberdade Religiosa, liderada por uma Ialorixá Mãe Gilda de Oxum.

“Esse é o ponto fundamental da discussão, que é a promoção da tolerância e a garantia da diversidade religiosa no Brasil”, completa Teixeira.

Desde janeiro do ano passado, com o endurecimento das leis, quem pratica crimes de intolerância religiosa pode pegar até cinco anos de prisão, além de multa. É o que diz a lei 14.532, que equipara injúria racial ao racismo – e que também protege a liberdade religiosa. Para este crime, não cabe mais fiança e é imprescritível.

Racismo religioso

Em Dias D’ávila, Região Metropolitana de Salvador, das dez invasões ao terreiro de Pai Marcelo, quatro foram registradas na polícia pelo babalorixá, que reclama da falta de ação das autoridades diante da perseguição sofrida.

"Se botavam uma porta hoje, eles quebravam sete dias depois. Você entrava no pânico. Fomos perseguidos", diz o babalorixá
Babalorixá convive com invasões violentas em terreiro. — Foto: TV Globo/Reprodução

“Quando a gente vai registrar uma queixa, eles não querem botar no laudo, na ocorrência, a intolerância religiosa. É um assalto? Uma casa foi invadida dez vezes, eles não querem entender que isso é intolerância?”, questiona.
Sem avanços nas investigações, ele e os frequentadores da casa investiram em câmeras de segurança para tentar inibir os criminosos.

O racismo religioso está presente nos ataques contras as religiões de matriz africana. — Foto: TV Globo/Reprodução

“Aí acaba, por exemplo, um crime de intolerância ou de racismo religioso sendo colocado como briga de vizinho, algo de menor potencial ofensivo”, fala o presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia, Leonel Monteiro.

Islamofobia termina em agressão

Ângela Maria da Silva sofreu agressão física por causa da religião. — Foto: TV Globo/Reprodução

Uma mulher muçulmana, mãe de cinco filhos, mostra a sua devoção em sua orações em uma mesquita de São Paulo e também no uso do hijab, tradicional véu islâmico que cobre a cabeça e o pescoço.

Foi por causa da vestimenta que Ângela Maria da Silva sentiu as dores da violência provocada pela intolerância religiosa em 2019, no próprio local de trabalho: uma empresa de ônibus.

“Tinha um cidadão que me chamava o tempo inteiro de ‘mulher-bomba’, ‘escória da humanidade’, ‘lixo humano’” recorda.
Ângela disse que se tornou algo perigoso e que o agressor começou a passar por ela e gritar: “cabum!”

“Eu tentava levar aquilo na brincadeira com os outros funcionários, até chegar ao extremo dele me pegar na porta da empresa e me agredir fisicamente”, conta.
A agressão aconteceu quando Ângela tentou filmar o homem com o celular. “Ele deformou o meu rosto, ele arrancou oito dentes da minha boca. Até hoje eu não consigo comer uma maçã, algo mais duro. Minha boca inteira dói”, diz, emocionada.

Ângela se emociona ao relembrar agressão que sofreu no ambiente de trabalho. — Foto: TV Globo/Reprodução

“E eu cheguei a escutar de colegas de trabalho: mas o que você fez para ele te agredir? Eu falei: sou uma mulher muçulmana”, diz Ângela.

Ela prestou queixa e contratou um advogado, que explica que houve falta de apoio da empresa com a funcionária.

“Além de ser agredida, a empresa não lhe deu qualquer ajuda e ainda deixou o agressor continuar trabalhando no mesmo ambiente de trabalho”, fala o advogado Osmar Cruz.

A empresa foi condenada a pagar uma indenização de R$ 80 mil, dinheiro que Ângela ainda não recebeu. O agressor foi indiciado pela polícia.

Sobre a indenização, o Fantástico não conseguiu contato com a defesa da empresa em que Ângela trabalhava.

"Eles me tiraram a autoestima. Eu tenho dificuldade de sorrir. Eles me tiraram a segurança. Tenho medo", relata ela.

Antissemitismo

Sandra Chayo é judia e passou a sofrer agressões após início do conflito entre Israel e o Hamas. — Foto: TV Globo/Reprodução

O crime da intolerância, muitas vezes, é propagado na internet. Foi o que aconteceu com a empresária paulistana Sandra Chayo, que acabou recebendo comentários de ódio pelo fato de ser judia.

Ela notou a hostilidade contra judeus desde outubro do ano passado, quando começou a guerra em Gaza, deflagrada pelo ataque do grupo terrorista Hamas a Israel.

Sandra Chayo, empresária. — Foto: TV Globo/Reprodução
"E eu cabo recebendo esses ataques de ódio. Ataques ao fato de eu ser judia. Então, ataques do tipo: 'ah, você é uma judia cretina por defender esses ideais. Você é genocida'. Em muitos momentos, eu me sinto ameaçada, sim, e por pessoas que têm ódio no coração pelo simples fato de eu ser uma mulher judia", desabafa Sandra.

Desde o início do conflito no Oriente Médio, entidades judaicas recebem por dia 15 denúncias de antissemitismo, ataques que acontecem especialmente nas redes sociais.

Entidades judaicas relatam aumento do antissemitismo no Brasil. — Foto: TV Globo/Reprodução
Entidades judaicas relatam aumento do antissemitismo no Brasil. — Foto: TV Globo/Reprodução

Piadas e preconceitos

O pastor e diretor do Instituto de Estudos da Religião (Iser), Ronilso Pacheco, faz um alerta para a raiz do preconceito contra as religiões no Brasil. “A cara da intolerância religiosa no Brasil é a de racismo religioso, visto que as religiões de matriz africanas são as religiões mais atingidas. E isso não é só um aspecto da distinção da religião. Ela é, sobretudo, um aspecto direcionado para população negra — ou para aquilo que é pertencente à cultura africana”, fala.

Mas os evangélicos não estão imunes ao preconceito religioso, que se apresenta de outra maneira, explica ele.

Preconceito religioso também chega aos evangélicos. — Foto: TV Globo/Reprodução

Preconceito religioso também chega aos evangélicos. — Foto: TV Globo/Reprodução

“A intolerância religiosa com relação a muitos evangélicos – e, eu repito, isso é muito pouco, são mínimos casos – ela é muito no sentido da linguagem pejorativa, da hostilidade, da piada, do preconceito mesmo de ver os evangélicos talvez como alguém que é fácil de ser manipulado, sobretudo evangélicos em periferia, isso é um tipo de intolerância também”, explica.

Educação contra a intolerância

Escola ensina religiões aos seus alunos. — Foto: TV Globo/Reprodução

Escola ensina religiões aos seus alunos. — Foto: TV Globo/Reprodução

Para lutar conta a intolerância, uma escola em Salvador escolheu abrir as portas para a convivência com outras crenças. “O desconhecimento anda de mãos dadas com o desrespeito”, alerta a escritora e professora da Universidade Federal da Bahia, Bárbara Carine.

“Essa escola se propôs, dentro de uma dimensão religiosa, a fazer esse enfrentamento, sim. E dizer que, do mesmo jeito que existe mitologia grega, existe mitologia africana”, completa.

E, de forma integrada, os alunos aprendem a mitologia dos orixás.

Cici de Oxalá, contadora de histórias em iorubá. — Foto: TV Globo/Reprodução

Cici de Oxalá, contadora de histórias em iorubá. — Foto: TV Globo/Reprodução

“A gente tem que aprender a respeitar. A respeitar a crença e os direitos de cada qual. Agora, realmente, eu não aceito que dizem que Exu é o diabo, não é? Alguém conhece o diabo por aqui? Se alguém conhece, fique pra si, porque eu mesma não quero conhecer”, diz Cici de Oxalá, contadora de histórias em iorubá.
Leonidas Amorim
Leonidas Amorimhttps://portalcidadeluz.com.br
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