Sondagem foi feita há cerca de dez dias em conversa entre interlocutores do Executivo e do presidente da Câmara, que deve se encontrar com Lula nesta semana para retomar negociações
Com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, blindada no cargo, emissários do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sondaram o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre a possibilidade de seu grupo político indicar um titular para o Ministério do Desenvolvimento Social (MSD), que controla o maior orçamento da Esplanada.
A sondagem foi feita há cerca de dez dias em conversa entre esses interlocutores e Lira, que deve se encontrar com Lula nesta semana para retomar a discussão da relação entre o Executivo e a Câmara. Será a terceira conversa a sós desde que os deputados quase rejeitaram a medida provisória de reestruturação dos ministérios.
No diálogo, os interlocutores palacianos deixaram claro a Lira que o Ministério da Saúde, cobiçado pelos seus aliados, não entrará em cota partidária em troca de apoio ao governo. Mas mencionaram uma possível concessão da pasta hoje comandada pelo ex-governador do Piauí e senador licenciado Wellington Dias (PT), responsável pelo programa Bolsa Família, a principal vitrine eleitoral de Lula.
Ideia “ainda está sendo trabalhada”
Segundo fontes do Palácio do Planalto, a ideia “ainda está sendo trabalhada” e tem complicadores. Não há, ainda, um aval de Lula para que seja levada adiante. Além disso, Wellington Dias é aliado de primeira hora de Lula, e o Piauí foi o Estado que deu, proporcionalmente, mais votos ao presidente na eleições. O Valor entrou em contato com o ministro, por meio de sua assessoria, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.
A interlocutores, Lira tem negado que seu grupo político esteja interessado em cargos. O presidente da Câmara tem alertado que o principal problema na articulação política é o represamento na liberação de emendas. Ou seja, caso esse ponto seja resolvido ainda na gestão de Nísia, a pressão sobre a ministra tende a diminuir. Pessoas próximas a Lira não confirmam que tenha havido uma oferta de entregar o MDS ao grupo.
Bolsa Família nas mãos do Centrão
Se o movimento de fato acontecer, a coordenação do Bolsa Família passaria ao Centrão. Por isso, a proposta encontra resistências entre palacianos e petistas.
Por outro lado, caso o plano seja levado adiante, Lula estaria cortando um ministério “da própria carne”, sem desagradar outros partidos da base. Aliados de Lula e de Lira veem o PT superdimensionado no governo em relação aos votos que tem no Congresso.
Além disso, o movimento facilitaria uma aliança estratégica com Lira, ao conceder ao presidente da Câmara uma pasta com orçamento vultoso no momento em que o Planalto tenta fidelizar o apoio do União Brasil, e atrair para sua órbita Republicanos, Progressistas (PP) e a fração não bolsonarista do PL.
Na conversa da semana retrasada, Lira tentou convencer os representantes de Lula de que o governo erra ao negociar com os partidos do Centrão de maneira isolada. Segundo relatos de fontes a par da articulação, esses interlocutores saíram convencidos de que a concessão de um grande ministério, com “porteira fechada” para os partidos do grupo de Lira resolveria o clima de insatisfação geral das bancadas e asseguraria a governabilidade.
Em um primeiro momento, Lira se ofereceu para fazer essa “montagem” na Saúde, argumentando que a dimensão da pasta permitiria contemplar Republicanos, PP e o PL não bolsonarista. A pasta tem capilaridade em todos os mais de 5 mil municípios brasileiros e recebe, por definição legal, 50% de todas as emendas impositivas individuais e de bancadas.
Orçamento de R$ 190 bilhões
Além disso, a Saúde tem o segundo maior orçamento da Esplanada, estimado em R$ 190 bilhões. Fica atrás somente do Desenvolvimento Social, com autorização para gastar até R$ 273 bilhões neste ano.
Segundo fontes, Lira ouviu dos emissários palacianos que Lula não admite a saída de Nísia Trindade, ex-presidente da Fiocruz, da pasta da Saúde num cenário de pós-pandemia. Em contrapartida, a oferta do MDS é uma articulação embrionária, que, se avançar, terá desdobramentos somente a partir de agosto.
Troca no Turismo
Em paralelo, o Planalto segue negociando com os partidos individualmente. A troca da ministra do Turismo, Daniela Carneiro (RJ), pelo deputado Celso Sabino (PA) deverá pacificar a relação do governo com o União Brasil.
Ao mesmo tempo, ocorrem conversas com Republicanos, PP e fatia do PL para que assumam espaços no segundo escalão. No horizonte, já se discutem as diretorias da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que os deputados impediram que fosse extinta, como o governo tentou na reestruturação administrativa.
Essa movimentação foi o pano de fundo da reunião entre Arthur Lira e Nísia Trindade na quarta-feira (21). Segundo relatos de ambas as partes, a conversa transcorreu em tom cordial. A pauta oficial foi um gesto de agradecimento de Nísia pela Câmara ter aprovado a MP do Mais Médicos. Na semana anterior, ela também havia feito o mesmo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O Valor apurou com fontes da Saúde, do Planalto e do entorno de Lira que a conversa entre ambos envolveu vários temas, desde um pleito dos deputados para elevar o valor de repasses da Saúde às prefeituras, até a crise em torno do ritmo de liberação das emendas.
Resposta na pandemia
Fontes do Planalto ressaltam que Nísia está blindada por Lula, que a escolheu, sobretudo, pelo papel que ela desempenhou na pandemia. Na direção da Fiocruz, ela articulou o convênio com o Reino Unido para a produção da vacina da AstraZeneca contra covid-19 no Brasil.
As mesmas fontes não descartam trocas na pasta da Saúde em eventual reforma ministerial mais ampla, que deve ocorrer no ano que vem para ajustar as alianças com as eleições municipais. Até lá, Nísia permanece onde está.
No curto prazo, a única troca ministerial a ser efetivada será a do Turismo, com a nomeação de Celso Sabino para a pasta nesta semana. Em paralelo, há o compromisso de que os ministérios da Saúde e das Relações Institucionais vão tentar dar melhor fluxo à liberação de emendas, tanto impositivas quanto àquelas remanescentes das emendas de relator do ano passado, cujos recursos, estimados em R$ 9 bilhões, retornaram ao Tesouro Nacional depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) as julgou inconstitucionais.
Por Andrea Jubé, Fabio Murakawa e Marcelo Ribeiro, Valor — Brasília -VALOR ECONÔMICO