Indústria já oferece produtos para as novas estéticas. Mudança chega também ao mundo corporativo
Uma mudança de comportamento pode ser vista nas ruas, nas lojas e nos planos do setor de beleza. De um lado, alguns homens começam a descobrir os efeitos de produtos como delineador, batom nude e unhas pintadas. Nas prateleiras, já existem seções dedicadas a produtos para eles, com vendedores do sexo masculino prontos para tirar dúvidas desse novo consumidor.
Mas, se os efeitos de luz e sombra da maquiagem são novidades para eles, para parte das mulheres, viraram coisa do passado, com uma tendência de beleza ao natural: sem cabelos pintados, saltos nem maquiagem pesada.
O ator Klebber Toledo e a atriz Paolla Oliveira são alguns dos retratos desse movimento. O primeiro adotou esmalte, que fica visível quando apresenta o reality show “Casamento às cegas”. E Paolla vem defendendo nas redes um visual sem filtros.
Atentas às mudanças, as empresas de beleza foram atrás. Edmar Bulla, fundador do Grupo Croma, de design de inovação, afirma que a mudança já aparece na indústria, no comércio e nos serviços.
— O varejo se reconfigura. Lojas de cosméticos que só tinham produtos para mulheres começam a reservar gôndolas para artigos masculinos.
Hidratante com cheiro de chiclete e maquiagem de bala: vejas os produtos criados em parceria por marcas de segmentos distintos.
Pesquisa conduzida pelo grupo mostrou que a rejeição de homens à maquiagem caiu de 82% para 58% entre 2018 e 2023. E 34% dos entrevistados disseram que usaram algum produto ou têm a intenção de usar nos próximos 12 meses. Em 2018, essa fatia era de 15%.
As principais marcas de cosméticos tentam aos poucos entrar na onda. Mirele Martinez, diretora de Maquiagem de Grupo Boticário, diz que o mercado de beleza masculina no mundo deve movimentar US$ 110 bilhões até 2030. As máscaras de cílios coloridas da marca Quem disse, Berenice?, que pertence ao grupo, foram lançadas com foco em homens e mulheres.
Forma de expressão
A Avon vem aumentando a presença masculina nas suas revistas, diz Andrea Echeverri, diretora de Maquiagem. A linha Power Stay, lançada em 2021, foi estrelada pelo ator e ex-BBB Lucas Penteado, de esmalte e maquiado:
— Maquiagem era muito para corrigir, mas agora tem máscaras para cílios, delineador, esmalte, batom. Passa a ser uma forma de expressão, uma liberdade sem preconceitos.
Sabrina Zanker, diretora geral da L’Oréal Luxo no Brasil, diz que o país responde por 13% do mercado global de beleza masculina:
— Para nos conectarmos com o público masculino, temos mais homens nos pontos de venda, lidando direto com o consumidor. Em 2023, 30% dos recrutados entre as Beauty Advisors eram homens.
Até no mundo corporativo, inclusive no jurídico e financeiro, mais fechado para cabelos coloridos e roupas casuais, a estética mudou.
— Quando alguém aparece de gravata causa mais estranheza do que um homem de unha pintada. Quando comecei, bastava olhar a roupa para saber quem era o chefe —lembra Samantha Tebas, diretora de RH da consultoria Oliver Wyman.
A executiva Joana Fleury, diretora de Produtos Profissionais da L’Óreal, conta que há diretores que usam esmalte. Enquanto há mulheres que deixam expostos os cabelos grisalhos, os homens testam colorações feitas para eles:
— O presidente da empresa testou o produto, e os diretores ficaram avaliando o resultado.
Klebber Toledo, que além do esmalte usa filtro solar com cor e arrisca um delineador no carnaval, afirma que, como artista, tem o dever de abrir mais o leque da estética, ser mais ousado. Ele atribui essa liberdade na estética ao movimento feminista contra o “machismo agressivo”. Mas diz que a publicidade está tímida:
— É importante abrir esse leque no mercado publicitário. As campanhas para os homens ficam focadas em perfume, relógio, quando muito um anel, uma pulseira. Há uma mudança na moda, no estilo das roupas. As marcas têm que aprender com isso e melhorar as entregas publicitárias.
Para o ator, pintar a unha é divertido, um jeito de “brincar com o estilo”:
— Não pode ser uma obrigação para nenhum dos lados.
O maquiador Tássio Santos cresceu vendo David Bowie e Vera Verão. Aprendeu com a mãe a se divertir com a maquiagem. Mas o bullying já na adolescência o afastou dos produtos.
Antes da pandemia, voltou a se maquiar e fez isso em seu canal no Youtube, que hoje tem 40 mil seguidores homens entre os 440 mil inscritos. O início foi difícil, conta:
— Foi uma onda de haters gigante, comentários de ódio, homofóbicos. Passei muito tempo sem me maquiar. Voltei depois da pandemia. Não estava pronto para receber a opinião odiosa das pessoas.
Hoje, ainda recebe comentários homofóbicos, mas os elogios se sobrepõem:
—Muito homens, entre 20 e 25 anos, heteros, buscam saber como usar um lápis de olho, batom mais fraco, blush.
A atriz Paolla Oliveira, com 35 milhões de seguidores no Instagram, sofreu a cobrança para seguir um padrão de beleza. Conta que, em um mesmo mês, passou de sex symbol, perfeita, a alvo de críticas sobre seu corpo em um carnaval:
— Passei da perfeição para ouvir comentários que podem te destruir. Sou a pessoa que tem defeitos, está envelhecendo e está feliz com isso. Não desmereço nenhum local de elogio, ser chamada de musa é bom para o ego. Encontrei o meio do caminho.
Nessa opção de deixar de usar photoshop e filtros nas fotos, foi procurada pela Dove:
— Vinha fazendo esse trabalho sozinha e passei a ter uma marca que expande esse olhar que estou tentando passar.
A professora da ESPM Maria Carolina Medeiros, pesquisadora de Socialização Feminina e Beleza, diz que estamos nos liberando de alguns comportamentos, mas isso não acontece em larga escala:
— Se passo uma hora me maquiando, deixo de ter um café de manhã de mais qualidade. Nesse sentido, há um questionamento que leva a um lugar de liberdade.
Mas ela alerta que outras prisões estéticas surgem:
—Ainda que as mulheres assumam seus fios grisalhos, a indústria e o consumo vão acompanhando com xampu para cabelo amarelado. Não alisam o cabelo, mas o cacho tem que ser perfeito e há produtos para isso. Se está tudo bem sair sem maquiagem, há uma clínica de harmonização facial em cada esquina.
Analista de moda e comportamento, Paula Acioli diz que o senso de urgência de viver a vida com “mais plenitude e liberdade definiu comportamentos mais liberais nas primeiras décadas do século XXI, com aproximação maior entre gêneros”.
Por Cássia Almeida — Rio