Miss Indígena e influencer, jovem de RR faz sucesso com conteúdo sobre cultura e costumes: ‘quero mostrar a realidade do meu povo’

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Mari Williams, de 19 anos, foi eleita a primeira Miss Indígena de Roraima em 2021. Além disso, a jovem da etnia Wapichana, que também é professora e estudante, acumula 30 mil seguidores nas redes sociais e mais de 2,4 milhões de visualizações.

Professora, primeira Miss Indígena de Roraima, estudante e agora influencer digital, isso tudo com apenas 19 anos. Essas são as atribuições e conquistas que a jovem do povo Wapichana, Mari Williams, carrega no currículo. Com quase 30 mil seguidores nas redes sociais e mais de 2,4 milhões de visualizações em seus vídeos, ela aborda — com uma mistura de humor e informação — a rotina, os costumes, a cultura e a luta das comunidades indígenas roraimenses.

Mari Williams é professora, estudante, miss e influencer — Foto: Arquivo Pessoal

Como toda boa digital influencer, Mari também faz alguns tutoriais para seus seguidores, como vídeos em que ensina a comer buriti e um passo a passo de como preparar o beiju. Mas, além disso, ela também usa seu alcance para denunciar o descaso na infraestrutura dos serviços básicos na comunidade.

Mas, o bom humor é a principal “arma” de Mari na internet, principalmente para rebater algumas fake news propagadas sobre a população indígena. No vídeo mais visto até agora, com quase meio milhão de visualizações — a miss ensina que as mulheres Wapichana podem ter quantos maridos quiser.

Mari nasceu na comunidade indígena do Raimundão, no município de Alto Alegre, região Norte de Roraima, mas vive na comunidade Raposa Serra do Sol, com os indígenas Ingarikó, em Uiramutã, onde dá aula para crianças em uma escola na região e, por isso, aproveita sua exposição para mostrar a realidade do povo.

“Nunca fui muito de usar o Instagram, comecei a usar em meados de 2020. Eu postava coisas da comunidade do Raimundão, mas nunca com muito reconhecimento. Em julho do ano passado, eu comecei a dar aula em uma escola indígena na comunidade Serra do Sol. Quando eu fui morar lá, por ser um cultura totalmente diferente da minha, comecei a postar algumas coisas de lá como comidas, cotidiano, a vivências deles…”, conta Mari Williams.

Visibilidade e representatividade

A vida de digital influencer de Mari Williams começou após vencer o concurso de Miss Indígena. Antes de ganhar a faixa, ela afirma que não tinha tanta visibilidade, mas foi conquistando seguidores e resolveu usar sua voz para algo maior.

“Quando fui eleita a primeira Miss Indígena do estado, tudo começou a ter mais repercussão. As pessoas passaram a procurar mais sobre meu trabalho e os seguidores começaram a crescer. Foi quando eu comecei usar mais essa ferramenta, sempre que eu tinha internet na Raposa Serra do Sol”.

Mari Williams, da etnia Wapichana, foi eleita a primeira Miss Indígena de Roraima — Foto: Reprodução/Facebook/Mari Williams

“Tudo tem um lado bom. O povo Ingarikó é um povo isolado, mora em área de difícil acesso e passa por inúmeras necessidades. Foi quando eu passei a olhar por um outro ângulo a minha missão nas redes sociais. Pois, de que adiantava ter tanta visibilidade se não servir para alguma coisa? De que adiantava ter tantas pessoas me seguindo se não tem um propósito para elas estarem ali?”, conta.

Mari conta que a região da Raposa Serra do Sol, onde vive o povo Ingarikó, é linda, com belezas naturais, banhada pelo rio Cotingo e possui uma vista ampla do Monte Roraima, porém, afirma que mostrar apenas as maravilhas do local, não teria “muito sentido” diante das “inúmeras dificuldades do povo”.

“É muito fácil eu só postar nas redes a paisagem maravilhosa que tem lá, o lugar maravilhoso e encantador sem mostrar de fato o que acontece, pois eu quero muito que as pessoas conheçam a nossa realidade, a dificuldade que o professor enfrenta para chegar e dar aula lá”, frisa.

Mari Williams usa sua voz para representar os povos indígenas de Roraima — Foto: Arquivo Pessoal

Nas primeiras postagens com maior repercussão, Mari contou como o posto de saúde da comunidade foi construído e expôs a situação de um dos seus alunos, que assistia aula em uma cadeira com um buraco no meio. Por conta disso, a escola ganhou uma doação com cerca de 100 carteiras, o que trouxe para ela um sentimento de “missão cumprida”.

“Eu mostrei como o posto de saúde foi criado, com dinheiro da indenização da morte de uma moradora de lá, a precariedade da infraestrutura de serviços que são direitos básicos. Tudo isso eu comecei a postar. Começaram a repercutir e nisso tudo aconteceu uma coisa boa, a gente recebeu uma doação de 100 carteiras, por causa de um story que eu tinha postado”.

Para a miss, de nada adiantaria ter tanta repercussão, sem usar essa ferramenta para fazer a diferença na vida do seu povo.

“A intenção mesmo é mostrar a realidade, pois muita gente fala para mim: ‘Mari, você nos representa’, mas o que é representatividade? Do que adianta eu só levar os conteúdos para as pessoas sem elas saberem o real sentido? Toda essa visibilidade eu estou buscando levar por um lado de mostrar e apresentar a realidade do meu povo, a nossa cultura, divulgar os artesanatos, as nossas músicas, as nossas comidas, a importância de uma damurida”.

Humor para vencer a desinformação
Como um dos aliados mais inesperados na luta contra o preconceito, Mari resolveu apostar no humor como forma de combater a desinformação. Povos indígenas — por desconhecimento ou ignorância — são vítimas de fake news e de muito preconceito, por isso a influencer combate com muita dose de ironia.

Em um vídeo, por exemplo, a miss ironiza a fake news de que a Fundação Nacional do Índio (Funai) distribui celulares do modelo iPhone para toda a população nas comunidades, desinformação que a influencer confessa “tirá-la do sério”.

Em um de seus vídeos, Mari ironiza fakes news — Foto: Reprodução/Instagram/Mari Wapichana

“Eu também tento usar o humor para criticar estereótipos e preconceitos que as pessoas têm com a população indígena no Brasil. Se a gente fosse levar ao pé da letra cada coisa que a gente escuta, meu Deus! Teríamos muita dor de cabeça. Falam ‘ah por que é indígena, mas tem iPhone, tem carro’. Para uma grande parte da população, nós indígenas não podemos ter nada e se temos ou conquistamos alguma coisa, é a Funai quem dá”.

“Muitas vezes, para fazer as pessoas nos escutarem, temos que mudar a abordagem, porque senão, sempre vamos bater na mesma tecla falando as mesmas coisas. Ás vezes fica chato, chamam de ‘mimimi’. Reduzem anos de lutas e anos de dor à ‘mimimi'”.

Mari conta que recebe muitos comentários positivos em seus vídeos, mas muitas vezes precisa lidar com internautas compartilhando desinformações e preconceito em seus vídeos — ela porém, afirma “não ligar”.

“Com o vídeo do iPhone, teve muita gente rindo. Muitos indígenas mandaram mensagem me agradecendo, porque a gente escuta muito isso, demais, quase todo o tempo. Recentemente recebi comentários do tipo ‘ah é por isso que o governo paga internet para eles postarem besteiras’, isso é muito ridículo! Eu mesmo pago minha internet e o meu celular com o meu trabalho”.

Em outro vídeo, com muita repercussão, ao ser questionada sobre quantas mulheres um homem Wapichana pode ter, Mari responde — com humor e sem perder a pose — que em sua comunidade o homem só pode ter uma mulher, mas a mulher pode ter quantos maridos quiser.

Mari responde questões sobre relacionamentos indígenas — Foto: Reprodução/Instagram/Mari Wapichana

O vídeo foi visto por quase meio milhão de pessoas que fizeram comentários do tipo “Gostaria de fazer parte dessa cultura”, “Por que na minha cultura não tem isso” e “Se um marido já é complicado, quem dirá cinco”. Mas também, causou o que a miss chamou de “revolta masculina”.

“Nós estamos acostumados a ver no mundo costumes em que só os homens têm o direito de terem mais mulheres. Quando a pessoa me perguntou e eu respondi com ironia, causou uma revolta enorme em vários homens nos comentários desse post. Comentários misóginos e desrespeitosos. Isso é a comprovação de que incomoda”.

“Muitas pessoas deixam comentários horríveis, mas eu sinceramente não ligo, porque no geral, eu recebo mais mensagens de apoio e elogios que me motivam a continuar”.

Mas Mari destaca: nada de seus conteúdos é ensaiado ou possui algum roteiro. Tudo é feito na espontaneidade, no maior estilo denominado por ela de “achei legal e fiz”.

“Meus vídeos e os conteúdos que eu produzo no Instagram, sou eu quem faz. Eu me baseio em alguns reels, alguns stories e tento fazer um conteúdo parecido, só que voltado para a minha realidade. Eu não tenho roteiro, não tem produção, é tudo muito espontâneo”.

A influencer relembra um de seus vídeos que também teve muito acesso, em que ela mostra o passo a passo de como é produzido o beiju — comida típica indígena feita com mandioca.

“Um dos meus primeiros vídeos foi mostrando como faz beiju. Eu olhei que eles estavam fazendo e pensei em gravar o passo a passo. Como ainda estavam raspando a mandioca para fazer mais, eu comecei a gravar. Tinha vídeo deles raspando a mandioca, tinha um ‘curuminzinho’ trazendo os ingredientes, uma lavando a mandioca, outra ralando…”.

“São coisas que acontecem mesmo na hora, eu não faço nada ensaiado, pensando em fazer vídeo, são coisas que acontecem, não é nada planejando, é muito espontâneo. Eu acho que é por isso que alcança muitas pessoas, porque não fica uma coisa forçada”.

Influenciadora indígena

Mari Williams fala com muito orgulho que é sim uma influenciadora indígena. Ela reitera ainda que sua missão começou antes mesmo dela passar a usar as mídias digitais. No ensino médio, a miss conta que se envolvia em projetos para empoderar pessoas indígenas na escola em que estudava.

Mari tem orgulho de se considerar uma influencer digital indígena — Foto: Arquivo Pessoal

“Desde 2017, quando eu estava no ensino médio, muitos alunos tinham vergonha de se assumirem como indígenas e eu tinha um projeto em que buscava valorizar a cultura musical indígena. Na época, 60% dos alunos eram indígenas, a diversidade de culturas era enorme, tinham indígenas Wapichana, Macuxi, Ingarikó e Taurepang. A gente passava muito tempo lá e sentia falta da comunidade, dos nossos costumes…”.

“Muitos dos meus colegas tinham vergonha de falar que eram sim indígenas e com esse projeto eu buscava levar orgulho para os alunos que vieram de comunidades que estudavam na escola”.

Mari Williams com seus alunos tomando banho de rio — Foto: Arquivo Pessoal

Para Mari, uma de suas maiores conquistas é conseguir conversar com as meninas indígenas que, assim como ela, passam por dificuldades parecidas, mas também por alegrias semelhantes.

“Muitas meninas, na vez que eu mostrei a minha casa na Serra do Sol, que é feita de barro, se identificaram, pois é a realidade delas. Muitas saíram da comunidade e foram para a cidade em busca de melhorias para estudar e querendo ou não, a gente acaba tendo uma dificuldade para retornar à comunidade.”

“Um dos pontos mais positivos que eu colhi disso, foi o respeito e o interesse das outras pessoas pela nossa cultura. Em certas coisas [as pessoas] passaram a se policiar mais, principalmente com pequenos detalhes, pararam de chamar de ‘índio’ e começaram a usar o termo correto que é ‘indígena’, coisas assim”.
Mas Mari Williams deixa bem claro: sua maior prioridade são os seus alunos e sua paixão é estar na sala de aula praticando a docência.

“Meus alunos e o meu trabalho como professora são minhas prioridades. Por isso eu abri mão de muita coisa, de vários encontros, de estar em vários eventos, para poder ir dar aula. É um compromisso que eu assumi antes de ser Miss ou influencer. Na sala de aula, eu sou professora e meus alunos, boa parte deles, não tem acesso às redes ou não sabem o quão importante é esse título de Primeira Miss Indígena”.

Com informações do G1 Roraima

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