Embarcação militar deve deixar o litoral brasileiro até o fim deste ano; resíduos tóxicos a bordo preocupam ambientalistas.
Maior embarcação que navegou a serviço da Marinha do Brasil, o Navio-Aeródromo (NAe) São Paulo deve se despedir do litoral brasileiro até o fim deste ano, como apurou o CNN Brasil Business. O porta-aviões foi arrematado em março deste ano por R$ 10,55 milhões pela Cormack Marítima, empresa do Rio de Janeiro (RJ) que participou do certame representando o estaleiro turco Sök Denizcilik Ticaret. O leilão foi conduzido pela Empresa Gerencial de Projetos Navais (EMGEPRON, vinculada ao Ministério da Defesa). A venda, porém, ainda precisa ser ratificada.
Em contato com a reportagem, o Centro de Comunicação Social da Marinha informou que “o navio deve deixar o Brasil tão logo sejam cumpridas todas as demandas legais e administrativas para o reboque seguro do casco”. Está será a última viagem da antiga embarcação militar, que foi desativada oficialmente em 2017. O barco será rebocado até a Turquia para ser desmantelado.
Em termos técnicos, o São Paulo já não é mais um navio, mas sim um “casco”. Antes de ser negociado, o porta-aviões passou pelo processo de desmobilização, que consiste na retirada de equipamentos e outros itens que ainda podem ser reaproveitados.
De acordo com a Marinha, a embarcação foi desativada “em função do grau de obsolescência de seus equipamentos e dos elevados custos e riscos de um processo de modernização”. O barco está atracado no Arsenal da Marinha na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro.
Portanto, sem condições de ser modernizado ou revendido para outro país, o porta-aviões foi oferecido no mercado unicamente para ser transformado em sucata. Segundo os termos da alienação do casco, o comprador deve garantir que o barco será reciclado de forma segura e ambientalmente adequada, respeitando as resoluções da Organização Marítima Internacional (IMO) e da Convenção de Basileia, que trata do controle e movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos.
O desmonte correto do navio também é uma exigência da França, que vendeu o porta-aviões usado à Marinha do Brasil por US$ 12 milhões (R$ 58,9 milhões na cotação atual) no ano 2000, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
Uma cláusula no acordo assinado entre Brasil e França, na época, define que a embarcação, ao final de sua vida útil, deve ser desmantelada de forma segura e respeitando o meio ambiente. Além disso, por exigência dos franceses, o serviço deve ser realizado exclusicamente por estaleiros de reciclagem credenciados pela União Europeia.
Esse detalhe no contrato impede que o porta-aviões desativado seja enviado para os desmanches de navios no sul da Ásia, que não possuem as certificações da UE. A região mais notória nesse tipo de atividade fica em Alang, na costa oeste da Índia, onde velhos navios são desmontados – e onde o primeiro porta-aviões brasileiro, o NAeL Minas Gerais, foi desmantelado, em 2002.
Resíduos tóxicos preocupam ambientalistas
A situação do porta-aviões São Paulo é acompanhada pela ONG internacional Shipbreaking Platform, que monitora o desmanche de navios e seus resíduos tóxicos.
“Todos os navios contêm grandes quantidades de material tóxico, como amianto e resíduos de óleo. Por isso, o descarte de uma embarcação como essa precisa ser executado de maneira segura e respeitando o meio ambiente, algo que não ocorre nos desmanches de navios localizados no sul da Ásia”, disse Nicola Mulinares, gerente de comunicação da ONG internacional Shipbreaking Platform.
Nesta semana, a ONG enviou um ofício ao Ministério de Meio Ambiente e Urbanização da Turquia, alertando sobre a grande quantidade de materiais tóxicos presentes no porta-aviões São Paulo. O documento também foi enviado aos ministérios do Meio Ambiente e da Defesa do Brasil, além do Ministério das Forças Armadas da França e da Comissão Europeia do Meio Ambiente.
“Estamos há mais de dois anos tentando pedir transparência no processo de venda do porta-aviões, sem sucesso. Um ponto que nos preocupa é o fato de não haver noticias sobre a existência do Inventário de Materiais Perigosos da embarcação. Não sabemos a quantidade de materiais tóxicos que pode existir no navio, e tememos que nem o comprador tem as informaçoes necessarias para saber o custo real do desmonte do navio de forma responsavel. Isso é alarmante e nos preocupa muito”, acrescentou Mulinares.
A estimativa da ONG é que o São Paulo tenha cerca de 900 toneladas de amianto e de materiais que contêm amianto, além de centenas de toneladas de materiais que contêm bifenilpoliclorado (PCB) e grandes quantidades de materiais pesados tóxicos a bordo.
“Não há dúvida de que o São Paulo é um navio particularmente tóxico. A quantidade de resíduos perigosos que contém um navio é crucial para determinar o seu destino legal de acordo com a Convenção de Basileia”, aponta o ofício.
Em contato com a reportagem, a Cormack Marítima, empresa que arrematou o barco, informou que não pode comentar sobre nenhum detalhe do porta-aviões por força de um contrato de confidencialidade firmado com a Marinha do Brasil.
Projeto de museu flutuante naufragou
Ex-soldado da Força Aérea Brasileira, Emerson Miura hoje lidera o Instituto Foch-São Paulo, organização que almeja transformar o porta-aviões São Paulo em um museu flutuante. Atrações como essa são famosas nos Estados Unidos, como o Intrepid Museum Sea localizado em Nova York.
“Lancei o projeto em novembro de 2017, logo que o porta-aviões foi descomissionado pela Marinha. A ideia era comprar o navio e levá-lo para a região portuária de Santos. Preparamos o plano de viabilidade e adaptação do navio tendo a iniciativa privada como parceira. Prevíamos, inclusive, repasses dos lucros do museu para a Marinha, caso o plano fosse adiante. A Marinha, no entanto, não permitiu nossa entrada no leilão”, relatou Miura.
Comentando sobre o plano do Instituto, a Marinha do Brasil afirmou à reportagem que “não considerou aceitável a hipótese de transportar o porta-aviões em museu flutuante, também devido a custos e riscos envolvidos”.
A despeito da resposta negativa da Marinha, Miura segue confiante de que a maré pode virar a seu favor. “Como a venda do navio ainda não foi ratificada, existe a possibilidade de tentarmos adquirir o navio. Não sabemos o que vai acontecer amanhã. Acredito que nosso projeto é a única saída sustentável para o São Paulo. Transformá-lo em sucata seria trágico.”
Maior navio de guerra do Hemisfério Sul
Quando ainda estava ativo, o São Paulo era o porta-aviões mais antigo do mundo em operação. Também é dele o feito de ter sido o maior navio de guerra que navegou com a bandeira de uma nação do Hemisfério Sul, com 32,8 mil toneladas de deslocamento e 265 metros de comprimento.
A embarcação foi lançada ao mar em 1960 e serviu com a marinha da França com o nome FS Foch, de 1963 até o ano 2000. Com a identidade francesa, o porta-aviões atuou em frentes de combate na África, Oriente Médio e no leste europeu.
Já na Marinha do Brasil, a embarcação teve uma carreira curta e bastante conturbada, marcada por problemas mecânicos e um grave acidente com três vítimas fatais. Devido a esses percalços, o porta-aviões passou mais tempo parado em manutenção do que navegando, enquanto serviu em águas brasileiras. Em fevereiro de 2017, após desistir de atualizar o porta-aviões, o Comando Naval decidiu desativar o NAe São Paulo em definitivo.
De acordo com dados da Marinha, o São Paulo permaneceu 206 dias no mar, navegou por 54.024,6 milhas (85.334 km) e realizou 566 catapultagens de aeronaves. A principal aeronave operada na embarcação com a bandeira do Brasil foi o caça naval AF-1, designação nacional para o McDonnell Douglas A-4 Skyhawk, hoje operado a partir de bases terrestres.
Thiago Vinholes, colaboração para o CNN Brasil Business