O depoimento foi prestado no inquérito que apura suspeita de tráfico de influência de Jair Renan Bolsonaro junto ao governo federal.
O advogado e empresário Luís Felipe Belmonte, que é marido da deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF), confirmou à Polícia Federal que pagou R$ 9,5 mil para reformar um escritório em Brasília usado por Renan Bolsonaro, o filho 04 do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Belmonte disse que o pedido de contribuição financeira para uma obra de melhoria no camarote do estádio Mané Garrincha, em Brasília, que o 04 transformou em escritório, foi feito pelo próprio Renan Bolsonaro e pelo personal trainer e então parceiro de negócio, Allan Lucena.
O depoimento foi prestado no inquérito que apura suspeita de tráfico de influência de Renan Bolsonaro junto ao governo federal. O filho do presidente nega ter praticado qualquer irregularidade.
Questionado pela PF sobre o pagamento para Renan Bolsonaro, Belmonte afirmou que “já patrocinou diversos atletas e atividades nessa área (esportiva)”, que faz isso desde 2016, porque possui uma empresa do setor. “O fato de ser filho do presidente da República é irrelevante”, disse.
Comprovante de transferência bancária obtido pela PF atesta que o pagamento foi feito à arquiteta Tânia Fernandes. A polícia teve acesso a um áudio enviado por Belmonte. Na gravação, o empresário deixa claro que preferiria que não houvesse geração de nota fiscal para o pagamento.
As informações são do jornal O Globo, em reportagem publicada nesta sexta-feira (13). O jornal já havia revelado troca de mensagens de celular entre Allan Lucena e Tânia Fernandes. Os diálogos indicavam que a dupla buscou empresários para obter pagamentos destinados à montagem do escritório de Renan Bolsonaro.
“Foi isso mesmo. Eu fiz o contrato de reforma do camarote, com o que seria feito, e ele (Belmonte) fez a transferência. Depois, gerei o recibo de pagamento e executei a obra conforme estava planejado. Foi uma reforma simples e rápida. Foi mais pintura geral, um pedaço de parede de gesso, ajustes de elétrica, polimento da pedra que já tinha, instalação de iluminação simples e instalação de um piso flutuante de compensado imitando madeira. Neste orçamento, foi feito o pagamento de materiais e mão de obra. É mais uma maquiagem do local, pois obra mesmo do tipo estrutural, ou alterações não ocorreu”, disse a arquiteta ao O Globo.
A arquiteta acrescentou que outros elementos foram custeados por “patrocinadores”.
“No final, prestei contas e gerei o recibo de pagamento, como todo profissional faz. O resto de materiais, como mobílias, móveis, painéis, plantas e placa da logo deles, foi de patrocinadores de outras empresas, que foram passadas para mim e eu só defini o tipo, cor e tamanho. A tratativa ou acordos ou não foram comigo. Só defini, mediante catálogos, o que ficava bom lá dentro.”
Arquiteta chamou ajuda de empresário de “bolsa móveis e bolsa reforma”
Mensagens obtidas pela PF e divulgadas pelo O Globo indicam que empresários foram procurados para pagar obras de reforma na sala comercial ocupada por Renan Bolsonaro. Nelas, Tânia Fernandes chegou a ironizar a busca por patrocinadores e disse que pediriam “bolsa móveis e bolsa reforma”.
Em uma conversa do dia 22 de maio de 2020, Allan Lucena disse a Tânia: “Estamos indo já em um patrocinador”. Em seguida, ela respondeu: “Oba, preciso de todos os patrocinadores. Veja as cotas para patrocinar a execução”.
No diálogo, o personal trainer disse que, quando o orçamento da reforma estivesse finalizado, seria mais fácil montar as cotas de patrocínio para oferecer aos empresários. “Cota eletrônicos. Cota móveis. Cota reforma. Kkkkkk”, escreveu ele.
A arquiteta, então, respondeu: “Kkkkk vamos pedir bolsa móveis, bolsa reforma, bolsa família”.
Em tom de deboche, Allan afirmou que esses pedidos poderiam vazar para a imprensa e gerar manchetes a respeito do assunto: “Já já sai na mídia. Filho de presidente pede Bolsa Móveis”.
O advogado Frederick Wassef, defensor de Renan Bolsonaro, disse em nota que o filho do presidente “não solicitou dinheiro a ninguém, não recebeu um único real de quem quer que seja, não recebeu carro de presente, não atuou para nenhuma empresa, não solicitou que ninguém pagasse nada a ninguém e seu nome foi usado indevidamente” e que “não marcou reunião em nenhum ministério”. Allan Lucena não se manifestou.
Empresário liderou a criação do Aliança para o Brasil, que naufragou
Conhecido em Brasília, onde mora, Luís Felipe Belmonte entrou para o cenário da política nacional por liderar a criação Aliança para o Brasil, partido que abrigaria Bolsonaro e filhos e do qual ele seria o vice-presidente, mas que naufragou por falta de filiados. Após o insucesso, Belmonte tornou-se dirigente do PSC no Distrito Federal.
Filho de militar e milionário, Belmonte não esconde seus laços com políticos. Ele foi, até recentemente, filiado ao PSDB, fez doações para legendas de esquerda, como o PCdoB, e atuou como advogado do empresário Luiz Estevão, condenado a 26 anos de cadeia por fraudes na construção do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo.
Belmonte foi convidado para tentar uma vaga no Congresso em 1994 por Luiz Estevão e recusou, mas mantém até hoje, segundo ele, uma relação “cordial” com o ex-senador. Mas, já com uma pequena fortuna, Belmonte preferiu passar uma temporada de oito anos na Inglaterra, em uma espécie de período sabático.
De volta ao Brasil, Belmonte fundou o Real Brasília Futebol Clube, time de futebol da primeira divisão do DF, e se filiou ao PSDB e, em 2018, entrou na disputa pelo Senado como suplente do tucano Izalci Lucas (DF), que foi eleito. O advogado doou R$ 1,48 milhão para a campanha, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Nas eleições de 2018, aliás, ele foi o terceiro maior doador privado para campanhas no país (total de R$ 3,95 milhões), de acordo com o TSE. Boa parte foi para a campanha da sua mulher, Paula Belmonte, que concorreu pelo Cidadania – e venceu – a uma vaga na Câmara dos Deputados também pelo DF.
Até outubro do mesmo, quando foi eleito primeiro suplente de senador pelo PSDB no Distrito Federal, seu patrimônio era de R$ 65,7 milhões, segundo declaração prestada ao tribunal eleitoral.
Entre os bens declarados havia fazendas, carros de luxo e investimentos no exterior. Outra fonte de renda eram aluguéis de dois prédios a órgãos do Ministério Público, que somavam R$ 769 mil mensais.
Belmonte foi denunciado pelo MP por causa de precatórios milionário da União
Seu escritório de advocacia, que tem unidades em Brasília e em São Paulo, atua sobretudo em casos de direito empresarial e societário, em grande parte, em processos que chegaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a União.
Apenas em um processo iniciado em 1989 na Justiça do Trabalho de Rondônia, que envolvia R$ 107 milhões em precatórios da União, ele embolsou mais de R$ 10 milhões de honorários.
Essa ação e seus valores levou o Ministério Público Federal a denunciar Belmonte sob acusação de pagar propina a um ex-desembargador do Tribunal Regional do Trabalho em Rondônia.
Segundo a acusação, Belmonte conseguiu liberar o pagamento do processo trabalhista, relacionado a um precatório da União, graças à propina.
O magistrado havia suspendido o pagamento do precatório. Após atuação do escritório de advocacia de Belmonte, o juiz reviu a própria decisão e permitiu que a União pagasse tudo.
Bebianno apresentou Belmonte à família Bolsonaro
Belmonte se aproximou da família Bolsonaro após ser advogado do também advogado Gustavo Bebianno, que se tornou desafeto da família presidencial.
Luís Felipe Belmonte se encontrou pessoalmente com Jair Bolsonaro em um almoço de aniversário do cantor Amado Batista, em 2020. Depois, o advogado passou a frequentar os palácios do Planalto e Alvorada.
Belmonte foi alvo de operação da PF por ataques à democracia
Já alinhado com o bolsonarismo, Luís Felipe Belmonte foi um dos alvos da Polícia Federal em uma operação deflagrada em junho de 2020, que visava buscar provas sobre o financiamento de grupos que atentam contra a democracia no país.
Além de Belmonte, nomes como o blogueiro Allan dos Santos e o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) também receberam agentes da PF em suas casas nessa operação.
Allan dos Santos está foragido nos Estados Unidos, enquanto Silveira tem recebido multas por se recusar a usar tornozeleira eletrônica. Já Belmonte continua a circular livremente pelos palácios presidenciais.
Por Renato Alves/O TEMPO