Jogos se tornam ferramenta para movimentar turismo global

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Os jogos eletrônicos já conseguem reproduzir as sensações de visitar outros países e culturas. Será que vai chegar o dia em que trocaremos o turismo real pelo virtual?

O carro esportivo desliza em velocidade estonteante pelas ruas apinhadas de casinhas coloridas de Guanajuato e, em impossíveis poucos minutos, atinge o Arco do Cabo San Lucas, passando casualmente no caminho pelo Templo de Quechula e as ruínas iluminadas de Teotihuacán, antes de presenciar um alvorecer espetacular diante em um campo repleto de calêndulas mexicanas.

Foza Horizon 5 se passa no México Reprodução/Microsoft

Poderia ser um anúncio televisivo de automóvel, mas o parágrafo acima descreve uma jornada típica dentro do game “Forza Horizon 5”. Lançado em novembro de 2021 para os consoles Xbox e PC, o jogo criado pelo estúdio britânico Playground simula uma aventura motorizada que percorre cenários turísticos icônicos do México em versões digitais ultrarrealistas.

O foco no realismo gráfico é o padrão dos games de última geração, e também não é novidade para a série de corrida esportiva inaugurada em 2012. Desde então, os títulos “Forza Horizon” criaram interpretações fictícias do Reino Unido, Austrália e de regiões da Itália, França e Estados Unidos. Para reproduzir mais de uma dezena de biomas mexicanos com precisão visual máxima, o estúdio explorou uma técnica chamada fotogrametria, que utiliza imagens fotografadas como base para a análise de métricas, dimensões e a geologia de cenários naturais.

“Como é um game de mundo aberto, o país não poderia ser muito grande”, explica Mike Brown, diretor criativo de “Forza Horizon 5”, sobre a escolha do México como o palco das competições automotivas. “Para resultar em um mundo aberto interessante, teria de possuir uma incrível diversidade natural. E o México tem uma área costeira, cidades históricas e modernas, cânions, montanhas, vulcões, desertos e selvas. Além disso, a cultura é conhecida em qualquer lugar do mundo.”

A preocupação de “Forza Horizon 5” com a fidelidade aos cenários reais e à essência mexicana não foi mera preocupação estética. Brown ressalta a colaboração com consultores locais e o contato com o Ministério da Cultura do México. “Eles gostaram que este não é um game sobre crime e violência – já que pelo menos 80% dos títulos atuais são sobre atirar em pessoas –, e sim sobre curtir um lindo feriado nesse lindo país.”

Fidelidade visual como ferramenta narrativa

Em videogames que dão maior importância ao enredo, o local onde a trama se desenrola pode ser tão importante quanto um personagem em si. É o caso da série “Yakuza”, criada pela veterana produtora Sega, que utiliza algumas das principais cidades do Japão como pano de fundo para suas histórias de crimes violentos e dramas cotidianos.

A ambientação urbana fidedigna é um padrão da franquia desde seu primeiro título, de 2005. O mais recente, “Yakuza Like a Dragon”, lançado em 2020 para múltiplas plataformas, apresenta versões renomeadas de bairros boêmios de Tóquio, Osaka e Yokohama, em perfeitas reproduções visuais que dão especial atenção a prédios, placas publicitárias, cores e sons.

“Nossa mentalidade de reconstruir as cidades de forma realista não mudou, mas o avanço tecnológico nos permitiu mostrar mais detalhes”, explica Hiroyuki Sakamoto, produtor da série Yakuza, que cita o uso da luz adequada nos ambientes como o fator que “molda” as sensações proporcionadas pelas cidades virtuais. “Intencionalmente, nós utilizamos a iluminação para se adequar à atmosfera e expressar a singularidade entre as ruas da cidade.”

Tamanho esmero com pequenos detalhes desperta curiosidade nos jogadores, que acabam interessados em presenciar na vida real o que experimentaram no mundo virtual. “Os fãs costumam visitar os locais que inspiraram os cenários dos jogos”, conta Sakamoto, que não descarta que os futuros títulos “Yakuza” exibam outros países além do Japão. “Vai depender se isso se encaixaria no cenário da trama principal”, diz.

Já no caso do game online de tiro PlayerUnknown`s Battlegrounds, ou PUBG, a recriação da cidade sul-coreana de Taegu como um mapa virtual de batalha traz efeitos tão nostálgicos quanto turísticos. O que os jogadores encontram é uma versão estilizada da terceira maior metrópole da Coreia do Sul, propositalmente datada e repleta de referências às décadas de 1980 e 1990.

“Nunca houve um game que retratasse adequadamente a sensação e a ‘vibe’ únicas da Coreia”, diz Taehyun Kim, artista responsável pelo desenvolvimento do mapa inspirado em Taegu. “Eu quis criar a oportunidade de vivenciar a beleza de meu país nesses campos de batalha, e acredito que essas décadas representam a atmosfera coreana da melhor maneira.”

“Como a maioria da nossa equipe têm memórias de infância da época, achei que poderíamos fazer um bom trabalho capturando essa sensação”, completa o artista, sobre as inspirações pessoais que motivaram a recriação da cidade dentro de “PUBG”. “Isso ficou bem representado no mapa, com elementos visuais que podem trazer boas lembranças a alguns jogadores.”

De acordo com a premissa de “PUBG”, cem jogadores disputam um mata-mata mortal até sobrar apenas um sobrevivente. Por se tratar do palco de uma grande guerra, o cenário de Taego (a grafia é diferente da do nome da cidade) não se propõe a ser uma reprodução idêntica ao local que o inspirou. “Não é perfeitamente igual ao mundo real, porque os terrenos e edifícios devem ser adequados ao jogo”, explica Kim. “Construímos o mapa baseado em ambientes verdadeiros, mas levando em consideração a sensação que os jogadores experimentariam nesse mundo.”

Jogando e aprendendo

Há também certos games que assumem com orgulho suas intenções de promover o turismo. Em julho de 2021, o Ministério das Relações Exteriores da Itália lançou “Italy, Land of Wonders”, que propõe “uma jornada de conhecimento sobre a cultura e o patrimônio histórico” do país europeu..

Por ser distribuído como um aplicativo gratuito para dispositivos móveis, “Land of Wonders“ acaba servindo também como um guia de viagem lúdico da Itália. Além de permitir que o usuário crie seu próprio roteiro de visita, o app oferece centenas de textos informativos sobre a cultura local e quebra-cabeças com reconstruções 3D de obras icônicas.

“O mercado de jogos mobile está desempenhando um papel cada vez mais importante na promoção da cultura e do estilo de vida. Vimos uma oportunidade e decidimos sair da nossa zona de conforto e arriscar”, justifica Giuseppe Pastorelli, representante do Ministério das Relações Exteriores da Itália.

“Ficaríamos felizes se as famílias jogassem juntas e se inspirassem em planejar uma viagem à Itália em breve”, afirma Pastorelli, celebrando os 250 mil downloads do aplicativo – a maior quantidade deles originada do Brasil. “Com estes resultados podemos até considerar um ‘Italy: Land of Wonders 2’”, diz.

Vídeo mostra comparação entre locais do Egito na vida real e dentro do jogo Assassin’s Creed: Origins

O turismo também serve como temática de uma ferramenta de marketing conhecida como advergames, os jogos eletrônicos gratuitos criados para promover marcas. Recentemente, a loja virtual Brusinhas encomendou um jogo ao estúdio paulista Subsolo Games, visando gerar um apelo maior de vendas durante a Black Friday.

Com estética retrô, “Rapojogo” é um browser game, ou seja, deve ser jogado direto no navegador do computador ou celular: o mascote canino da loja deve coletar itens e evitar obstáculos enquanto corre sem parar, ao estilo do gênero “infinity runner”. Os jogadores podem trocar suas maiores pontuações por descontos nos produtos da loja. Cada uma das 14 fases representa uma cidade brasileira que ostenta suas características visuais inconfundíveis.

“O Rio de Janeiro é representado por uma paleta de cores mais colorida, remetendo ao sol e ao litoral. São Paulo é mais monocromática, anoitecendo”, explica Rafael Braga, designer do Subsolo Games.“Já em Taubaté, colocamos uma estátua de uma mulher grávida, remetendo ao famoso meme da ‘grávida de Taubaté’. Isso traz identificação para quem é da cidade e remete à irreverência da marca.”

Descobrir as características que melhor identificam as cidades foi a diretriz que o estúdio seguiu ao longo do desenvolvimento do advergame, visando criar conexões por meio de ícones familiares aos consumidores. ”Os pontos turísticos trazem conexões instantâneas tanto para quem é da cidade como para quem é de fora”, diz Braga. “Historicamente, o Brasil é pouco representado nos videogames – às vezes, é até mal representado. Quando essa representação é feita com cuidado e atenção, as pessoas se sentem muito mais ligadas ao jogo.”

Vídeo mostra comparação entre locais reais e reproduzidos dentro de Forza Horizon 5

O turismo do futuro?
Independente do nível de realismo gráfico, o simples contato de um jogador com reproduções virtuais de locais reais pode resultar em sensações de familiaridade e desejo. Sob esse ponto de vista, os games podem funcionar como ferramentas de estímulos à viagens a localidades distantes, ainda mais diante de circunstâncias pandêmicas que limitam e tornam mais raro o vai-e-vem global.

“Um dos benefícios dos videogames é permitir que as pessoas visitem lugares que elas não podem na vida real”, afirma Taehyun Kim, artista de mapas de “PUBG”. “Uma vez que as viagens estão limitadas pela pandemia de COVID 19, fico feliz que os mundos dos games possam servir de destinos de viagem virtuais.”

“Em games que celebram um local e o mostram ao mundo, é natural que as pessoas desejem apreciar esses lugares também na vida real”, concorda Mike Brown, produtor de “Forza Horizon 5”. “Passei três anos obcecado pelo México e me apaixonei pelo país. Ainda que não seja nosso trabalho fazer as pessoas viajarem, nós costumamos dizer que nossos jogos devem parecer férias dos sonhos. É esse o sentimento que queremos capturar.”

Na medida em que os desenvolvedores se tornam mais eficientes em imitar a realidade com o máximo de precisão e detalhes, também fica mais próximo o dia em que poderemos experimentar viagens turísticas de qualidade nos videogames. A tecnologia parece ser o único limite – pelo menos por enquanto.

“Acho que isso é possível”, decreta Hiroyuki Sakamoto, produtor da franquia “Yakuza”. “A computação gráfica já atingiu um nível indistinguível da verdade, e a tecnologia da realidade virtual ainda está crescendo. Penso que o momento em que você poderá desfrutar uma ‘volta ao mundo’ por meio dos games está chegando aí.”

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