Pessoas trans vivem sob ‘tolerância frágil’, diz pesquisadora que contabilizou 140 mortes em 2021

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Crimes contra essa população costumam ter requintes de crueldade, como no caso da travesti queimada viva no Recife, em junho. Casos de sucesso, como o de Linn da Quebrada, que está no BBB, ainda são distantes da realidade da maioria das trans, aponta Bruna Benevides.

Ainda que termos como “trans”, “transexual” e “travesti” estejam começando a ter mais alcance, em virtude do sucesso de nomes como o de Linn da Quebrada, que está no BBB, ou os das vereadoras eleitas em 2020, a maioria da população trans no Brasil continua vivendo em alta vulnerabilidade.

“As pessoas têm medo de se aproximar das pessoas trans/travestis. (Vivemos) sob uma tolerância muito frágil. Somos vistas como ameaça”, diz Bruna Benevides, mulher trans que, pelo quinto ano, produziu um dossiê sobre a violência contra essa população no país.

Ainda que termos como “trans”, “transexual” e “travesti” estejam começando a ter mais alcance, em virtude do sucesso de nomes como o de Linn da Quebrada, que está no BBB, ou os das vereadoras eleitas em 2020, a maioria da população trans no Brasil continua vivendo em alta vulnerabilidade.

“As pessoas têm medo de se aproximar das pessoas trans/travestis. (Vivemos) sob uma tolerância muito frágil. Somos vistas como ameaça”, diz Bruna Benevides, mulher trans que, pelo quinto ano, produziu um dossiê sobre a violência contra essa população no país.

Elineudo Meira / Mídia NINJA

A edição mais recente será entregue nesta sexta-feira (28) à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), em Brasília. O dia seguinte, 29 de janeiro, é Dia Nacional da Visibilidade Trans.

O dossiê aponta que, em 2021, 140 pessoas trans foram assassinadas no país, sendo 135 travestis e mulheres transexuais, e 5 homens trans e pessoas transmasculinas.

Como não há um dado oficial sobre o tema, a pesquisa é feita a partir de informações encontradas em órgãos públicos, organizações não-governamentais, reportagens e relatos de pessoas próximas das vítimas.

Pelo 13º ano, o Brasil continuou sendo o país onde mais se mata essa população, seguido pelo México e os Estados Unidos, de acordo com a ONG Transgender Europe (TGEU, na sigla em inglês), que reportou 375 assassinatos em todo o mundo no ano passado.

A vítima mais nova: 13 anos

O relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), da qual Bruna Benevides faz parte, mostra ainda que as vítimas morrem cada vez mais cedo.

Keron Ravach é a vítima mais jovem nos relatórios da Antra, que contabiliza as mortes de transexuais no Brasil desde 2017 — Foto: Arquivo pessoal

Keron Ravach é a vítima mais jovem nos relatórios da Antra, que contabiliza as mortes de transexuais no Brasil desde 2017 — Foto: Arquivo pessoal

Keron Ravach, de 13 anos, assassinada a pauladas no Ceará, ainda no começo de 2021, se tornou a vítima mais jovem conhecida nesses 5 anos de pesquisas da Antra.

Foi também a mais jovem registrada em todo o mundo em 2021, pela TGEU. Uma idade bem abaixo da já curta expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil, que é de 35 anos.

Só foi possível saber a idade de 100 das 140 assassinadas no ano passado; 53% delas tinham entre 18 e 29 anos.

Crimes de ódio

Muitos crimes relatados contra pessoas trans têm requintes de crueldade: houve ao menos 4 casos em que foi ateado fogo à vítima ainda viva, como aconteceu com Roberta Nascimento da Silva, em junho, em Pernambuco.

Das 120 ocorrências onde havia informação sobre como a morte ocorreu, 47% foram por armas de fogo24% por arma branca; 24% por espancamento, apedrejamento, asfixia e/ou estrangulamento; e 5% de outros meios, como pauladas, degolamento e queimaduras.

Em 14 ocorrências, houve a associação de mais de um método, como assassinato e sequestro/rapto e/ou desaparecimento da vítima. E ao menos 5 casos em que a vítima havia sobrevivido a uma tentativa de assassinato anterior.

Marcadas para morrer

O raio-X das vítimas não mudou nos últimos anos. Em 2021, 81% eram travestis/mulheres trans negras. Uma era indígena.

E 78% dos crimes foram contra travestis e mulheres trans profissionais do sexo, a maioria atuando nas ruas. Não à toa, 77,5% dos assassinatos aconteceram em espaços públicos.

Daí a avaliação de Bruna Benevides de que os casos de pessoas trans que conseguem “furar a bolha” e ter reconhecimento público não resolvem o problema como um todo.

“Acreditamos que se mantém atual a estimativa de que apenas 4% da população trans feminina se encontra em empregos formais, com possibilidade de promoção e progressão de carreira”, escreveu no relatório da Antra.

Ainda segundo a associação, 6% estão em atividades informais e subempregos. E 90% da população de travestis e mulheres transexuais utiliza a prostituição como fonte primária de renda.

A resposta está no ciclo que envolve muitas dessas pessoas, passando pela expulsão de casa e da escola, que levam à necessidade de se sustentar a despeito do preconceito e da baixa escolaridade.

Também foram identificados 5 assassinatos de defensores de direitos humanos, sendo 4 travestis e mulheres trans e 1 pessoa transmasculina, todas pessoas negras.

São Paulo se manteve como o estado como o maior número de mortes, sendo 25 em 2021, seguido pela Bahia (13) e o Rio de Janeiro (12).

Visibilidade torta

Para a pesquisadora, não falta visibilidade para a população trans, mas é preciso mudar o que é evidenciado: uma imagem de abjeção e medo.

Bruna Benevides, autora de dossiê sobre a violência contra a população trans no Brasil, diz que é preciso mudar o estigma que este grupo carrega — Foto: Reprodução/Instagram

Bruna Benevides, autora de dossiê sobre a violência contra a população trans no Brasil, diz que é preciso mudar o estigma que este grupo carrega — Foto: Reprodução/Instagram

“Precisamos de uma visibilidade que saia desse paradigma da dor, da violência. E não é só pegar casos excepcionais, de pessoas que se deram bem na vida. É um processo que envolve um esforço de toda a sociedade”, explica Bruna Benevides.

“Na verdade, as pessoas trans que são assassinadas, que têm esse perfil já conhecido, elas já são vistas como culpadas acima de qualquer coisa. Independente do que lhes aconteça. É isso que precisa ser vencido”, conclui.

Faltam dados oficiais

A pesquisa realizada pela Antra é feita a partir de relatos obtidos junto a órgãos de segurança pública, organizações ligadas aos direitos humanos e à população LGBTQIA+, reportagens e redes sociais: não há dados oficiais sobre a população trans no país.

Isso, segundo Bruna, pode significar um número ainda maior de vítimas que o contabilizado em 2021 e nos anos anteriores. Em 2020, foram 175, um recorde. “Por isso não é possível dizer que, na realidade, a violência está diminuindo”, pontua.

O Atlas da Violência 2021 trouxe dados relativos à quantidade de pessoas LGBTQIA+ que passaram pelo sistema de saúde em 2019, sem especificar, por insuficiência de informações, a motivação das violências sofridas por elas.

O levantamento é feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Ministério da Economia, e o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), ligado ao governo do Espírito Santo.

A base do Atlas são os registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação. “É assustador pensar que 98,8% dos registros (do Sinan) não possuem a informação sobre a identidade de gênero das pessoas”, aponta o dossiê da Antra.

Por Luciana de Oliveira, g1

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