Investigação faz parte do chamado ‘inquérito do golpe’, que apura se houve uma tentativa de impedir a posse do atual governo após a derrota eleitoral de Jair Bolsonaro
Uma operação da Polícia Federal deflagrada na terça-feira prendeu quatro militares e um policial federal suspeitos de planejar um golpe de Estado em 2022. O plano incluía matar o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o vice eleito, Geraldo Alckmin, e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que na época também presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A investigação faz parte do chamado “inquérito do golpe”, que apura se houve uma tentativa de impedir a posse do atual governo após a derrota eleitoral de Jair Bolsonaro. A ação foi autorizada por Moraes, relator do inquérito.
Um documento apreendido pela PF intitulado “Punhal verde amarelo” descreve como deveria ser executado o plano de assassinato, que previa uso de armamento pesado e a possibilidade de envenenamento dos alvos. A investigação aponta o general do Exército Mário Fernandes, então número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, como responsável por sua elaboração. A apuração cita ainda que cópias do arquivo foram impressas no Palácio do Planalto e levadas para uma reunião no Palácio da Alvorada, onde estava Bolsonaro. Dados de controle de acesso ao Alvorada mostram que o general esteve em 8 de dezembro na residência do presidente entre 17h e 17h40m.
O planejamento, segundo a PF, envolveu os chamados “kids pretos”, nome informal dado a integrantes das Forças Especiais do Exército, grupo de elite que passa por treinamento rígido, incluindo técnicas de guerrilha. O plano chegou a ser colocado em prática, mas foi interrompido durante sua operação. Entre os presos estão, além de Fernandes, os tenentes-coronéis Helio Ferreira Lima, Rodrigo Bezerra Azevedo e Rafael Martins de Oliveira. O policial federal Wladimir Matos Soares, que atuava na segurança de Lula na época, também foi detido. Procuradas, as defesas deles não se manifestaram.
Casa de Braga Netto
Uma reunião ocorrida na casa do general Walter Braga Netto, que foi ministro da Defesa de Bolsonaro, é o ponto de partida do plano, conforme a investigação. Foi no endereço do militar, na Asa Sul de Brasília, onde “o planejamento operacional para a atuação dos ‘kids pretos’ foi apresentado e aprovado”, diz o relatório da PF. Braga Netto não foi alvo da operação de terça-feira, mas consta como um dos investigados no inquérito que tramita no STF. Procurada, sua defesa afirmou que não iria comentar.
Mensagens trocadas via aplicativos de celular interceptadas pela PF apontam que, dois dias após o encontro, os militares passaram a discutir medidas para viabilizar o plano e a monitorar o deslocamento de autoridades. Uma delas descreve qual seria a rota utilizada por Moraes para participar da diplomação de Lula, em 12 de dezembro.
O dia 15 de dezembro de 2022, a duas semanas da posse do presidente eleito, foi a data escolhida pelos kids preto para colocar o plano em prática. Relatório da PF enviado ao STF cita que os suspeitos criaram um grupo batizado como “Copa 2022” no aplicativo Signal para se comunicar durante a ação. Para manter o anonimato, eles usaram números de telefones registrados em nomes de outras pessoas e se identificavam por codinomes: “Brasil”, “Gana”, “Alemanha”, “Áustria” e “Japão”.
A troca de mensagens, segundo a PF, indica que por volta das 20h30m daquele dia eles se posicionaram em locais previamente estabelecidos para executar a ação, como o estacionamento de um restaurante e a quadra onde fica o apartamento funcional de Moraes na capital federal. Vinte minutos depois, porém, um dos integrantes do grupo enviou o link de uma notícia a respeito do adiamento de um julgamento que ocorria naquela data no STF. Em seguida, ele deu a ordem para “abortar” a missão.
A trama apontada pela PF na operação de ontem é o mais longe que um grupo de militares chegou na tentativa de golpe no fim de 2022. Para o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, os golpistas “chegaram muito perto” de concretizar o sequestro e assassinato de Moraes, mas o plano não foi adiante por falta de apoio. Ele afirmou se tratar de um “grupo isolado” no Exército e que as Forças Armadas, “como um todo”, não participaram da trama.
— Esse é um dos fatores que a levou a não ter êxito. É muito grave que pessoas formadas e armadas pelo Estado pratiquem esse tipo de atentado contra o próprio Estado — disse o ministro da Justiça.
Outro elemento apontado pela PF como indicativo da tentativa de golpe é um documento que prevê a criação de um “Gabinete Institucional de Gestão da Crise”. A minuta, que inclui o brasão da República e um aviso de “secreto”, previa o general Augusto Heleno, então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), como chefe. Braga Netto, pelo organograma, seria o “coordenador-geral”. Procurada, a defesa de Heleno disse que não manifestaria. Esse gabinete seria formado depois que o plano de assassinato de Lula fosse executado.
‘Gravíssimos indícios’
Ao autorizar a operação de ontem, Moraes afirmou ver “robustos e gravíssimos indícios” de planejamento de sua execução, com uso de “técnicas militares e terroristas”. A PF aponta que uma dessas técnicas é a de “anonimização”, com a tentativa de camuflar suas identidades com o registro de telefones no nome de pessoas que nada tinham a ver com a trama golpista. Uma delas, por exemplo, teve seus documentos usados após se envolver em um acidente de trânsito com um dos militares que faziam parte do grupo.
A investigação também identificou que Fernandes, o kid preto com cargo no Planalto, salvava os arquivos referentes ao plano golpista com referências a seus carros e o ano de fabricação. As buscas encontraram, por exemplo, documentos nomeados como “Fox_2017” e BMW_2019” .
Além disso, a PF apontou a utilização de um carro oficial do Exército na ação. O veículo, de acordo com relatório dos agentes, percorreu o trajeto entre Brasília e Goiânia em 15 de dezembro de 2022, data em que, segundo a investigação, “possivelmente, seria realizada a prisão/execução” de Moraes.
Por Patrik Camporez, Eduardo Gonçalves e Mariana Muniz — Brasília O GLOBO