Há menos de dez anos na política, ele foi de vereador novato a prefeito em exercício da capital apoiado em alianças políticas e polêmicas.
Ricardo Luis Reis Nunes, 53, será o novo prefeito de São Paulo após o líder da chapa, Bruno Covas (PSDB), morrer por conta de um câncer neste domingo (16).
Nunes ascendeu na política como um misto de empresário e líder comunitário da Zona Sul da capital paulista. Ele construiu uma trajetória apoiada em um partido expressivo, o MDB, e nas relações com setores da Igreja Católica.
Antes de chegar a vice-prefeito, Ricardo Nunes foi duas vezes vereador na capital paulista, eleito em 2012 e 2016. No ano passado, estava pronto para concorrer ao terceiro mandato quando foi escolhido para compor a chapa de Bruno Covas, ocupando o posto antes cotado para figurões como o presidente da Câmara Municipal, Milton Leite (DEM), a senadora Mara Gabrilli (PSDB), a ex-prefeita Marta Suplicy e até o apresentador José Luiz Datena, colega de Nunes no MDB.
O xadrez político que fez de Nunes candidato a vice envolvia a aliança entre PSDB, MDB e DEM, partidos que o governador João Doria (PSDB) espera ter em uma eventual chapa para disputar a Presidência. Diante da promessa dos tucanos de que o vice-governador Rodrigo Garcia (DEM) terá apoio para suceder Doria, o DEM abriu espaço para o MDB compor a chapa de Covas. Esse arranjo, no entanto, pode ser comprometido por uma iminente ida de Garcia para o PSDB.
Apesar de ainda ser um nome de pouco destaque no cenário nacional do partido, Nunes ganhou projeção na cidade quando se tornou presidente municipal do MDB. O partido esperava emplacar Datena como vice de Covas, mas como o apresentador desistiu do projeto, o nome de Nunes ganhou a preferência na corrida interna.
Durante a campanha, Nunes se converteu em um calcanhar de aquiles do prefeito e candidato à reeleição. Acusações de violência doméstica contra ele foram recuperadas e discutidas publicamente em uma reportagem da “Folha de S.Paulo”, mas tanto Nunes quanto a esposa, Regina Carnovale, negaram e atribuíram as denúncias, que não avançaram, a uma “fase muito difícil” no relacionamento.
Bruno Covas defendeu Ricardo Nunes e manifestou crença na inocência do vice, também quando vieram à público notícias envolvendo contratos entre as empresas ligadas ao prefeito em exercício com a Prefeitura de São Paulo.
Empresário e pragas
Ricardo Nunes começou sua carreira de empresário enquanto ainda cursava direito na FMU. Ele criou um jornal que seria batizado como “Hora de Ação”, atendendo a bairros da Zona Sul, especialmente a Capela do Socorro e o Grajaú, território que se tornaria o seu berço eleitoral. Endividado e inadimplente, teve que largar a faculdade e começou a carreira pública trabalhando na secretaria de Obras do estado.
Com o tempo, Nunes encontrou o nicho de mercado que lhe garantiria a criação de um pequeno império: o controle de pragas. Foi especialmente na desinfecção de navios nos portos brasileiros, impedindo a destruição de grandes remessas de grãos, que o empresário cresceu.
Em 1997 criou a Nikkey, que se tornaria uma das maiores empresas do ramo no Brasil, com cerca de 400 funcionários e unidades em portos e aeroportos nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo.
As declarações de bens de Nunes à Justiça Eleitoral oscilaram pouco mais de 10% desde a primeira eleição, quando declarou possuir R$ 4,2 milhões em bens, até 2020, quando informou um patrimônio de R$ 4,8 milhões. As principais posses em seu nome são imóveis.
Vereador e gênero
A primeira vez que Nunes apareceu com mais destaque na política paulistana foi em meio a uma grande polêmica. Em 2015, ele liderou o grupo de vereadores que atuava para barrar a inclusão da temática de sexualidade e gênero no Plano Municipal de Educação da capital paulista.
Ele foi o relator do projeto na Comissão de Finanças e retirou, em sua revisão, todas as menções à palavra “gênero” do PME, levando manifestantes das causas feministas e LGBTQIA+ ao plenário da Câmara Municipal. “O que é manter a ideologia de gênero fora do Plano Municipal de Educação? É manter essa coisa nefasta longe das nossas crianças”, disse Nunes, em entrevista ao site “Portal Católico” em agosto de 2015.
Mais recentemente, o vereador protagonizou outra pauta, explorada como algo positivo pela campanha de 2016. Ele presidiu a CPI da Sonegação Fiscal na Câmara Municipal, que permitiu a recuperação de R$ 1,2 bilhão de devedores de impostos municipais, especialmente instituições financeiras.
Relação com Covas
A relação entre Ricardo Nunes e Bruno Covas é relativamente recente. As defesas feitas por Covas do então candidato a vice na campanha estreitaram a relação. Após a vitória, Nunes disse que tinha sido eleito para ser “fiel escudeiro” do prefeito. Com o afastamento de Covas, assumiu prometendo exercer o cargo seguindo as orientações do titular.
“O Bruno Covas tem um vice que é seu fiel escudeiro. Um vereador que é lá da periferia “
Ricardo Nunes
Muito embora já tivessem se encontrado em eventos políticos no passado, eles só começaram a conversar de fato quando o tucano assumiu a Secretaria das Prefeituras Regionais, já como vice de João Doria. Foi em 2017, no primeiro ano da gestão tucana, quando Nunes seria relator do orçamento da Prefeitura.
No início do segundo semestre daquele ano, o vereador encampou uma discussão sobre o transporte de resíduos na cidade, fazendo a interlocução do setor com Covas, se tornando uma espécie de ‘embaixador dos caçambeiros’.
A relação se estreitou quando Covas foi rebaixado por Doria à Secretário da Casa Civil, passando a fazer a interlocução entre prefeitura e Câmara dos Vereadores e, posteriormente, com Covas já prefeito e Nunes presidente do MDB. Ainda assim, a amarração política para o partido participar da gestão municipal foi colocada ‘de molho’ por Covas durante meses, período em que, mesmo assim, Nunes se manteve fiel ao governo nas votações legislativas.
A relação de Nunes com a gestão tucana, no entanto, não é de total sinergia. O vereador procurou a Secretaria da Educação em pelo menos três oportunidades para promover a interlocução com entidades que fazem a gestão de creches no município. Nenhum pedido desses empresários para assinatura de convênios ou aumento no valor pago pelo aluguel foi aceito pela equipe da pasta.
Nunes é ex-conselheiro e voluntário de uma das entidades que estão na mira do Ministério Público Estadual e da Polícia Civil numa investigação sobre irregularidades nos repasses da prefeitura na área. A administração diz que vem aprimorando processos para resolver o problema desde 2017. O prefeito em exercício nega que tenha qualquer participação com irregularidades.
Guilherme Venaglia e Pedro Duran, da CNN, em São Paulo