Suicídio é a segunda causa de morte entre adolescentes

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Setembro é mês de prevenção ao suicídio, segunda causa de morte entre adolescentes e jovens brasileiros de 15 a 29 anos, e por que num país onde há mais sol que dias nublados muitos tiram a própria vida?

Suicídio é uma palavra difícil de se pronunciar. Não porque ela exige uma habilidade fonética mais elaborada do locutor, mas pelo fato de carregar peso, dor e uma pergunta que parece não ter resposta: por quê? Enfrentar a morte abrupta de uma pessoa não é algo que o ser humano tenha recursos fáceis para lidar. E enfrentar a morte de um adolescente no exato momento em que a vida pulsa com tanto vigor e afinco, chega a ser inaceitável.

Não existe uma resposta fechada para a pergunta que dá título a esta matéria, mas o assunto é tão sério e requer tamanho cuidado e atenção que ela precisa ser entonada. Por tantas vezes necessária que setembro foi designado a ser o mês de prevenção ao suicídio. Um mês em que inúmeras instituições e órgãos fazem campanhas para alertar sobre a segunda causa de morte entre adolescentes e jovens. Um mês em que a sociedade tem oportunidade de entrar em contato com o que é uma ferida aberta entre os jovens.

A iniciativa foi encabeçada pelo Centro de Valorização da Vida, CVV, o Conselho Federal de Medicina e a Associação Brasileira de Psiquiatria, em 2014, com números que já chamavam atenção. Sete anos depois, o alerta ainda é necessário. E talvez numa sociedade em que as questões de saúde mental só cresçam, as precauções precisem de mais espaço para discussão. Segundo médicos e psiquiatras, suicídios são passíveis de prevenção uma vez que estão relacionados às doenças mentais que são tratáveis.

Imagem – Reprodução

Mas então o que faz um jovem tirar a própria vida no exato momento em que ela mais floresce? Uma pergunta dura de respostas diversas. É possível mapear algumas causas, disparadores e alguns gatilhos. As doenças mentais são uma delas e não há um mês se quer que o assunto não ocupe destaque nas mídias diversas ou rodas de conversa. A pandemia nos deu a chance de olhar para algo que era totalmente ignorado e isto é extremamente positivo para uma sociedade com altos índices de toxinas.

Segundo dados do Ministério da Saúde, divulgados em 2019, a cada 46 minutos uma pessoa tira a própria vida. A maioria é homem, negro e com idade entre 10 e 29 anos – 10 anos estamos falando de uma criança. Entre os jovens, cerca de 96,8% dos casos de suicídio estão relacionados a transtornos mentais – que são tratáveis e por serem um problema de saúde pública, precisam de mais e mais campanhas de conscientização.

Em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e abuso de drogas. Também são fatores de risco para o suicídio situações como desemprego, sensações de vergonha, desonra, desilusões amorosas, além de antecedentes de doenças mentais. Mas a notícia boa é: a OMS, Organização Mundial da Saúde, afirma que o suicídio tem prevenção em 90% dos casos.

Crise de pânico, fobia social, ansiedade, estresse. Palavrinhas todas difíceis de serem encaradas e que quando deixadas de lado, ignoradas, podem levar ao suicídio de um jovem ou até mesmo de uma criança. E a gente sempre acha que este assunto não é com a gente, né? É do fulano que é conhecido do beltrano ou do amigo do amigo. Mas o medo sempre mora dentro de casa e não há quem escape dele. É preciso olhar, falar, para poder cuidar.

A gestora da escola estadual Dom Agnelo, Fatima Santana de Almeida, faz o alerta de que adolescentes necessitam de atenção. “Precisam ser ouvidos, precisam poder trazer os assuntos que os angustiam. Por isso a porta da minha sala está sempre aberta”, conta. “Fiquei muito atenta com a pandemia porque existe um alto índice de suicídio entre os eles e isso não é só de agora”.

Isto realmente não é só de agora. O assunto sempre ronda. O assunto é presente. Dói falar sobre a morte, dói ainda mais olhar a morte tão de perto em alguém tão cheio de vida. Mas essa é nossa tarefa – ou responsabilidade. Carlos Correia é voluntário e porta-voz do CVV, Centro de Valorização a Vida, e ele reforça a importância de escuta aos jovens.

“Somos leigos na área de saúde mental, mesmo que tenha alguém da área o que a gente faz é uma conversa entre duas pessoas e como pessoas temos sensibilidade. Aprender escutar é a grande dificuldade. Parece simples, mas requer esforço. Estamos acostumados a ouvir, mas escutar profundamente é mais complexo”, fala.

“Eu tenho que ter um ambiente favorável, não julgar, não minimizar o sofrimento do outro e estabelecer uma relação de confiança. O que se percebe é que encontrar esse ambiente com essa situação é muito difícil, principalmente dentro de casa. Têm famílias com formatos muito diferentes e algumas não muito bem vistas por conta do preconceito e o ambiente de casa que seria fator de proteção passar a não existir. A tendência do adolescente é se fechar por dificuldade de falar abertamente”, completa Carlos.

Somado a isto, a gente adiciona todas as questões da própria adolescência de lidar com as perguntas internas que carregam. É a aparência que não é a que ele gostaria de ter, o corpo que incomoda, o grupo que ele não consegue pertencer, ou o que ele faz parte, mas que faz piadinhas que ele acaba se calando. Os fatores são passíveis de uma lista infinita e o que pode ser pequeno ou fútil ao adulto, é do tamanho do mundo ao adolescente.

Sabe quando uma criança está correndo, cai e a gente diz “não foi nada”? Essa esfolada aparentemente boba não é coisa pequena quando a gente olha para os tombos do adolescente. Minimizar ou menosprezar as questões que eles trazem é a pior “ajuda” que alguém pode dar.

“Eles ainda estão se formando, ainda existem muitas perguntas e inseguranças, não tem independência financeira, muitas vezes o ambiente familiar cobra muita nota escolar, cobram questões que se referem a sexualidade e ele não consegue responder. O ‘espelho, espelho meu’ é muito cruel”, fala Carlos.

O CVV atende jovens principalmente via chat ou whats e neste último um ano começou uma campanha chamada Life Gamer em que tem usado o ambiente dos jogos on-line, o Air Force é um deles, para apresentar o trabalho que fazem e se aproximar da faixa etária. “A gente precisa desmitificar o ouvir que se oferece ao adolescente”, diz.

“Quando a gente tem uma dor emocional o que se costuma fazer? Comer e se esconder porque para o mundo isso é demonstração de fraqueza. Mas e quando eu tenho uma dor de dente? A gente vai ao dentista e está tudo bem. É preciso tratar as dores como elas precisam ser tratadas para que se valorize a vida e não a morte. As pessoas ligam porque querem viver! É pra aliviar o sofrimento”.

E, infelizmente, quando eles não conseguem aliviar este sofrimento interno, cometer suicídio é uma forma de acabar com a dor. De por fim à violência que vive dentro. Os casos sempre assustam e as histórias que chegam, arrepiam.

CYBERBULLYING

Recentemente, Lucas de 16 anos, filho da cantora Walkyria, tirou a própria vida depois de sofrer uma enxurrada de comentários homofóbicos no TikTok. É o que se chama de cyberbullying. Rechaçar até que o outro chore, até que o outro se sinta um nada, desapareça e, por vezes, até que se mate. A internet não é terra de ninguém.

É tão, tão sério o nível que chegamos de arruinar a vida de uma pessoa através das redes sociais que passou da hora de termos leis mais sereias a estes crimes e que os próprios canais, como TikTok e Instagram, se co-responsabilizem por este tipo de comportamento que acontece dentro do espaço que eles controlam e ganham dinheiro.

Como permitir que o algoritmo fique totalmente livre para atrair um número maior de pessoas a um post em que estão massacrando alguém? Como não monitorar comentários cheios de humilhações ou frases homofóbicas, racistas e que intimidam o outro e, muitas vezes, sugerem o próprio suicídio?

Inteligência para isto, temos. Já existem diversos filtros e ferramentas dentro das plataformas que fazem estes controles, mas será que são suficientes? O quanto de conhecimento pais e os próprios adolescentes têm das possibilidades de segurança e autoproteção? Parecem não ser ainda suficientes.

Depois de um ano e meio de pandemia, com escolas inseridas no ambiente virtual, fosse ela uma plataforma ou o próprio grupo de whatsapp da classe, por que não paramos pra pensar – e falar – em cultura digital? Será que é por que nem nós sabemos o que isto significa, qual a dimensão deste mundo? Sim, existe um mundo que passa pelas ondas eletromagnéticas do celular cheio de portas, janelas, lugares liberados e outros proibidos.

Onde as regras de convívio social são – ou deveriam ser – as mesmas do mundo que chamamos de “real”. Segundo Rodrigo Nejm, diretor de educação na SaferNet e pesquisador no PPGPSI-UFBA, é preciso desmitificar essa separação entre mundo real e virtual. “Cada vez mais é preciso olhar e entender que ambos fazem parte de uma mesma vida”, fala. “É justamente por separar que, muitas vezes, os adolescentes acabam se comportando de uma maneira muito violenta na internet”.

“O que é importante é a gente dizer que a internet faz parte da nossa vida, ela é mais um lugar onde a gente vive, convive e encontra pessoas e as coisas que acontecem ali são reais. Os sofrimentos são reais e as alegrias também e é importante desmitificar esse lugar da internet como outro mundo, não só pelas leis, mas pela empatia ao outro, o respeito”.

Segundo Rodrigo, quando se faz o alerta para educação digital é preciso entender que a atenção deva estar voltada à cidadania digital. Isto significa educar para que todos os ambientes virtuais sejam lugares de respeito as diferentes formas de se comunicar, as diferentes posturas, assim como já se trabalha estes tópicos dentro das escolas, por exemplo. A educação que se dá é a mesma – ou deveria ser.

Há quinze anos, a SaferNet vem trabalhando o tema e reforça a importância de estar integrado à educação básica e familiar. “Não é porque pai, mãe e professores não usam as mesmas redes, ou não usam tanto, que eles não têm nada o que contribuir”, ressalta Rodrigo. “Conectar gerações de pais educadores com os próprios adolescentes para falar sobre a cultura digital é um desafio muito bom porque todos usam e a conversa franca sobre as experiências pode ajudar muito. Inclusive aos pais que julgam e intimidam, menosprezam o que os adolescentes estão vendo na internet”.

Para Rodrigo, quando você desqualifica a experiência de uma criança ou um adolescente na internet, você está desqualificando um sentimento que é importante, legítimo e real, e também uma experiência de vida que é a experiência digital, muito relevante para os adolescentes. “Desta forma estamos perdendo uma boa oportunidade de falar com eles sobre saúde mental, sobre sentimentos, sobre respeito”.

E é desta forma que educar para uma cidadania digital se faz possível. O mesmo se aplica à saúde mental. “A gente fala do termo de bem-estar e saúde na internet pra reforçar que o que a gente vive ali é real e os impactos são reais e precisamos falar a partir dessas experiências”.

Conversar com os adolescentes sobre como eles se sentem durante uma partida de um jogo, como reagem a um comentário de uma postagem ou um vídeo é para além do cyberbullying porque diz respeito a esta presença digital que é muito significativa. E é fortalecendo a cidadania digital que se combate atos violentos. “Isto é postura ética”, fala.

Rodrigo faz mais um alerta para a importância de os adolescentes conhecerem as possibilidades de denuncias do cyberbullying e reforça a importância deles saberem – e poderem – pedir ajuda quando estiverem sofrendo. Este talvez seja o maior desafio. “Cyberbullying não é a causa de um suicídio, ele é multifatorial, mas pode ser um gatilho e como outros precisamos estimular que eles quebrem o silencia e busquem ajuda”. Quebrar o silêncio é fundamental.

Pode parecer missão impossível estabelecer diálogo com adolescentes e jovens, mas existe uma conversa possível – e passível. Respeitar os sentimentos e as falas que eles trazem é um primeiro cuidado na construção dessa relação. Precisamos lembrar que o sentimento do outro é legítimo e é verdadeiro, e dai sim o diálogo passa a ser plausível.

Construir relações seguras, de confiança e respeito são maneiras de manter a porta aberta do quarto para qualquer tipo de questão. Longe de ser fácil, longe de estar ao alcance de todos, mas um primeiro exercício é derrubar as barreiras da vergonha em falar sobre saúde mental.

DO ESTADÃO

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